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sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

INTROSPECTIVA 2017


    Mais um ano se vai. Passou rápido? Claro que não! Arrastou-se como uma charrete de pneus furados. Assim, já que 2017 bateu as botas, convém realizar sua autópsia a fim de determinar a causa mortis. 
      O ano começou com mortes nos presídios em Manaus, em Boa Vista e no Rio Grande do Norte. Quem morreu? Presidiários. Para uma parte dos que bateram selfies natalinas e confraternizaram ao som da Ave Maria de Schubert, matar gente assim não faz a menor diferença, afinal de contas, não passam de assassinos-estupradores-meliantes-de-quinta-categoria-sem-deus-no-coração! Claro que isso só vale para quem não está no Face desses maravilhosos defensores da moral, da liberdade e dos bons costumes. Se, por qualquer metonímia do destino, um ente branquinho e querido cair em tentação e sucumbir às intempéries do crime, para esse, pelo amor de Deus!, justiça e segurança em primeiro lugar, pois ele é Humano e merece ter seus direitos preservados.
        Em 2017, alguns conceitos foram (re)criados. Falou-se muito em Fake News ou mesmo em uma tal "Pós-verdade". Nada mais do que a boa e velha Mentira. Agora, pior mesmo que qualquer notícia fake é o Face News. Quanta boçalidade! Nas redes sociais, o mundo parece se enviesar de forma tal que a mais estúpida futilidade parece ganhar um peso similar a um silogismo aristotélico. Terminei o ano, por exemplo, sabendo quem comeu o quê (ou quem!) ou a que horas da madrugada o corpólatra chega à (ou da) academia. Por intermédio dessas janelas virtuais que dão para o vazio das vaidades (com o perdão do pleonasmo!), descobri as mais decentes aberrações: autopromoções a dar com pau, pessoas plenas de um espírito de solidariedade único, desde que se possa registrar o momento exato em que se presenteia uma família em situação de rua com aqueles salvadores dois reais; figuras quixotescas (com o devido perdão de Cervantes!) a garantir fotografias ao lado de pessoas enfermas em hospitais; chefes de cozinha de todas as estirpes; viajantes inveterados; noivos e noivas que, em um ano, conseguiram noivar com cinco ou seis pessoas diferentes; fabricantes de mitos; cidadãos religiosos e castos; defensores febris do militarismo e do armamento pesado na mão do dono da bodega. E por aí vai para bem pior!
        Durante o ano, as descobertas científicas impressionaram a todos!A Terra é plana! Na verdade, a
existência de gente que consegue pensar assim só prova o quanto a Terra está se tornando chata. Nunca houve ditadura militar! Na verdade, o que aconteceu foi um governo em que o poder se concentrava nas mãos de um único grupo, com participação popular bastante restrita (melhor assim, não?). O Comunismo está voltando! Só não se sabe de onde. Homossexual é doente, mas tem cura! Pena imbecilidade ser incurável.  
        Na política, o ano deu o que falar. Temer mostrou que, na verdade, estamos em 1917. Para ele, ninguém entende mais de economia doméstica do que a mulher, que é a grande responsável pelas finanças do mercantil. Pergunta à Marcela qual o preço do feijão! Cinquenta cruzeiros? Em meio a mesóclises e outras firulas, o presidente conseguiu comprar o passe de todo mundo. Nunca se viu uma feira com tantos parlamentares em promoção! Tiririca se arrependeu de não ter feito nada. Mas continua lá, recebendo sem fazer nada! Que palhaçada! O Maia e seus tiques nervosos deram a tônica das votações no Congresso. E o presidente não foi investigado, apesar de Joesley e Wesley, a dupla sertaneja revelação do ano. Geddel, o porquinho-da-índia, guardava no seu cofrinho mais de cinquenta milhões de reais. Aécio viu sua carreira (!) reduzida a pó (!) depois dos escândalos das gravações em que ele, entre outras, utiliza um linguajar digno de um Cidade de Deus: "Dadinho é o caralho! Meu nome é Aécio Neves, porra!". Maluf foi preso (?). Aliás, se está na cadeia, deixa com o Gilmar, que ele solta! Mas, se é para ficar no xilindró, que seja na base do provolone (na cueca!) e do vinho francês, como o pessoal lá da Papuda.
        Foi também um ano de racismos gratuitos, extremismos baratos, violência sem sentido. No Ceará, a travesti Dandara dos Santos foi brutalmente assassinada. A filha de Bruno Gagliasso e Giovana Ewbank foi vítima de racismo. Crianças foram queimadas vivas em uma creche em Minas Gerais. Outras morreram após um colega abrir fogo em uma sala de aula em Goiânia. Professores foram covardemente agredidos com tapas, chutes, cadeiradas e Escolas sem Partido.
       Perdemos Belchior, Luiz Melodia, Almir Guineto, Jerry Adriani, Kid Vinil, Rogéria, Paulo Silvino, Márcia Cabrita, Nelson Xavier, Eva Todor, Jerry Lewis... E quem ganhamos? 
           Resta agora aguardar a chegada de 2018. Mas o que esperar do ano que se avizinha?! Que não seja mais um desses atalhos que nos fazem descobrir que andamos, andamos e não saímos do lugar! Vem aí Copa do Mundo e Eleições. Talvez possa ser um ano em que se mude alguma coisa. Ou então eu me mudo.
           Feliz 2018 (?).              






segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Dos cantos da boca,
escorre uma palavra exangue,
temerosa dos olhares do mundo...

Do ventre arbitrário,
a palavra assume voz de parturiente
e grita em espasmo.

Do espaço em branco,
uma manjedoura erige-se
a abrigar a palavra mocha e secular.
Vi ontem um menino transido de fome que estendia as vistas pelas janelas cerradas dos automóveis. Faltava-lhe um dos braços. Sua oração era pedir. Ao meu lado, a mulher que amo, de olhos vivos e mãos delicadas. Amo-a incondicionalmente, que é por seu tempo que encontro paz. Ela, como de costume, acariciava-me a nuca. O amor aumenta a cada carícia. Penso que a amaria mais se aquele menino, cingido de dor, não mais sentisse fome. Se não houvesse criança assim, abandonada em sua esqualidez, o toque da mulher que amo seria mais suave e afetuoso. Seus olhos confundem-se com os daquele menino: olhar humano. Amo-a porque nela existe fé. Amo-a porque, em seu mundo, não há fome.
Numa mesa de bar, um grupo de dez pessoas cujo silêncio impressionava. Cada qual com seu aparelhinho ligado à internet. Vez ou outra, um comentário breve sobre o que se via nas telinhas amordaçantes. No mais, palavras mudas, olhos esbugalhados, dedos agitados. Que esse hábito ridículo não mais se repita em uma mesa de bar! Que não se troquem pessoas reais por cadáveres virtuais! Quando os bares silenciarem de vez, música, poesia, verdade e democracia estarão seriamente comprometidas. Sendo assim, esses zumbis da nova era, que não sabem conversar olho no olho, procurem outros lugares para exibir seus troféus tecnológicos. Sugiro cemitérios. No mais, deixem a boa e velha boemia para quem entende que bom mesmo é se entorpecer de gente.
Falta ao brasileiro em geral a sensação da cidadania ou, ao menos, a intenção de sentir-se parte efetiva de uma comunidade, de uma nação. Para isso, é necessário compreender o que parece (a apenas parece) relativamente simples: somos agentes políticos e sociais e, por isso mesmo, os que detêm o poder político, econômico ou midiático precisam reconhecer que, sem o aval do povo, suas atividades de nada valem. Em tempos de informações interconectadas e rápidas, a massificação e a manipulação advindas de setores da mídia imputam ao público (normalmente passivo) duas sensações, a meu ver, perigosas: primeiro, a de que a imprensa existe para defender as instituições democráticas e para esclarecer a população, de maneira precisa e imparcial, tornando-se, pois, o baluarte da ética e da liberdade, desde que não ousem contrariá-la; segundo, a de que a violência, mercadoria das mais disputadas pela mídia, faz-nos reféns de nós mesmos, e é preciso desconfiar das sombras, desde que seja a sombra de um garoto negro, pobre, morador de comunidade, sem ostentar grifes, sem o olhar seguro e anêmico dos que vivem em melhores condições. Jovens de classe média-alta aglomeram-se em shoppings, temos um encontro de tribos. Jovens de comunidades menos privilegiadas reúnem-se com as mesmas pretensões, temos um "rolezinho", e as portas das lojas se fecham, e o caos se instaura. São vândalos os que corrompem símbolos de poder e opressão, mas os que, durante séculos, enriqueceram às custas do clientelismo, das transações espúrias, da miséria humana, da politicagem, da exploração da mão de obra, esses passam por vítimas. Não quero com isso defender atitudes extremistas. Pelo contrário. Atingir símbolos de um sistema falido e elitista é uma coisa. Ferir pessoas é outra completamente diferente. Entanto, a Copa do Mundo está aí. Nos estádios, vozes orgulhosas das cores nacionais disputarão espaço nos ecos do hino nacional. Espero, contudo, que as ruas não se calem por causa de um gol de Neymar e companhia e que os gritos de paz, saúde e educação sejam mais lancinantes que os rojões e as balas de efeito moral. Professores, estudantes, médicos, policiais, donas de casa, não importando o rótulo ou a estratificação social, todos devem torcer pelo Brasil. Não me refiro, obviamente, a um time de futebol. Falo de uma nação. Macunaímas que somos, precisamos de uma identidade, de um reconhecimento, de um caráter. Quem sabe o placar se inverta! Quem sabe nos descubramos parte do mesmo time! Quem sabe as coisas mudem!
O parto diário, o do encontro, o das despedidas. 
O parto da noite prematura, da madrugada siamesa, da manhã vindoura. 
O parto e o sangue 
no olho e nos dedos do homem sem nome: 
parto tingido de fúria. 
O parto do amanhã, 
ponteiros em lâmina correndo o ventre do tempo. 
O parto redivivo, 
entrelaçado no cordão umbilical dos erros. 
O parto do amor sangra. 
Não existe parto sem dor.
Eu me uno a qualquer um que tenha fome! Entanto, existem vários tipos de fome. Qual é a sua? É absolutamente condenável que um cidadão ou uma cidadã, por qualquer razão absurda alicerçada no puro ódio, não possa saciar sua fome de sentimento, de amor, de desejo pelo outro, de carinho! Vislumbro caminhos livres de amarras pseudorreligiosas ou pseudomorais que impeçam que pessoas livres possam aliviar sua fome de liberdade! Mirem-se no exemplo das crianças, que apenas concebem um único tipo de separação: as que brincam acompanhadas e as que brincam sozinhas; ainda assim, as que estão sozinhas não ficam assim por muito tempo, que o bom é estar junto, viver com, conviver! Aos que se acham plenos, empanzinados de doutrinas cegas, entupidos de irracionalidades, engasgados pelo veneno de uma falsa superioridade, peço que apenas saiam do caminho e permitam outras formas de amar, outras maneiras de ver a fome e de satisfazê-la plenamente. Sim, eu apoio qualquer causa humana e, quer saber, que os puristas morram entalados com seus pensamentos medievais! Tudo muda! Até as fomes! Antes de sermos hetero ou homo, somos gente, e o que nos basta é respeito!
Pobre Democracia Brasileira, criança sem pai, sem mãe, sem perfil em rede social! O que fizeram contigo? Abusaram de ti nas tuas horas de sono. Transformaram tua existência em um espetáculo midiático. Falsificaram tua assinatura em uma leva de publicações replicadas e enfadonhas. Expuseram teu corpo nu em praça pública para que os escribas e os defensores da lei cuspissem na tua cara. Ó inócua Democracia, a Geni da vez, os caretas desesperados pedem tua cabeça em uma bandeja de prata! Teu impreciso tempo de vida não foi suficiente para amansar os canalhas! Teu vulto agora não passa de uma palavra de ordem na voz trêmula de um apresentador de telejornal! Vem, que te dou abrigo! Vem, que corre nas minhas veias o vermelho que falta à bandeira que te representa! Vem, que te ponho no colo e jamais um desses mitos de araque haverá de molestar-te. Vamos juntos mostrar a essa multidão de cegos que a política impiedosa do Coliseu Romano não mais te machuca! Sim, daremos um basta a essa espetacularização circense e combateremos o bom combate! Não serás mais a escrava-mor desse sistema desumano e tendencioso! Teu nome não será mais dito em vão! Os que te aliciaram com promessas de estrelismo ou com riquezas suíças serão postos aos cães famintos! " - Mas como o sacrifício de alguns poderá expiar o erro de tantos que me violentaram?" Tens razão! Vingaremos teu nome de forma justa, sem o ódio enviesado dos que esbravejam discursos de intolerância! Um dia, minha criança, retomarás teu posto pelos braços do povo e todos os manifestos voltarão a pedir pelos teus filhos: educação, saúde, segurança...! Por enquanto, é tempo de descansar, curar as feridas! Quando gritarem por teu nome, finge dormir, fecha os olhos e sonha, pois é de teu sonho que ainda me alimento!

À minha namorada Maria Eduarda

O que haveria de ser sem a tua (sensa)tez, tua parte que em mim cabe tão perfeitamente, tua alma imensa, que nem algarobeira florida? O mundo precisa experimentar o que sinto por ti, que a frieza coisificou as relações, aos poucos transformadas em retratos semiestanques em redes antissociais. Não, não vou dividir-te; vou multiplicar-te, divulgar teu nome, tua coragem de morena cor-de-piçarra, tua esperança de sertaneja que se retira e não se apequena, tua voz gota-de-orvalho-na-invernia, teu couro rijo e teus gestos nobres. Agradeço-te a ti e aos infinitos deuses do acaso pela oportunidade de ter contigo o desabrocho de minhas horas. Felizes são os dias, porque somos namorados!
Meu Deus, 
Eu não tirei fotos nem postei coisa que fosse em redes sociais dos lugares pelos quais passei! 
Será que realmente estive  lá?
Eu apenas improvisei quando começou a apresentação!
Será que fiz por merecer o pertencimento desse instante?
Eu não apostei neste ou naquele nome para seja lá o que for!
Será que ainda tenho direito ao voto?
Eu trabalhei demais nos andaimes da educação deste país!
Será que fiz algo verdadeiramente relevante?

Hoje, no meio da Praça do Ferreira, entre o bucolismo da capital e a concupiscência do capital, vi uma moça sentada em uma cadeirinha discreta. Ela trazia consigo um anúncio que dizia: "Escuto histórias de graça!". Quer saber, fiquei muito feliz de ver essa cena! Alguém que se preocupa em ouvir outrem! Ela não era uma foto estanque em uma rede social, uma lápide sorridente neste cemitério de iniquidades onde todos são bonitos, politizados, poéticos, religiosos, amigos. Ela era real como o mundo que a rodeava sem lhe dar atenção. 

Meu Deus,
Eu não tirei fotos da moça que queria ouvir histórias de estranhos!
Será que ela, algum dia, existiu mesmo?

ORAÇÃO PELO NATAL


Para este Natal, como em oração, apenas desejo que seus dias sejam mansos e que a voz com que se bradam preconceitos e incompreensões seja silenciada; que as fomes dos seus sejam saciadas e que estes, já saciados, busquem saciar as fomes do mundo; que a justiça não se meça pelo escantilhão de suas cegueiras e que as opiniões alheias sejam respeitadas; que os números e as estatísticas deem lugar a rostos e que as lutas diárias sejam honestas; que se apontem as armas para o coração das desigualdades e que sua ceia seja farta ao ponto de se multiplicar e de amparar a todos; que seus votos de amor e de paz não se resumam a um único dia e que sua caridade não se torne mera publicidade; que os seus tenham nomes e que os momentos bons possam ser compartilhados, mas que alguns instantes se guardem tão somente nas retinas, como em um retrato íntimo; que se visitem os amigos e que se abracem os mais antigos, ainda que não mais estejam entre nós; que não se traiam as próprias convicções, mas que não se sacrifiquem aqueles que vivem de uma forma diferente; que a saúde prevaleça e que dos minutos emane um cheiro de terra molhada, manhãzinha cedo; que os votos de Natal se proclamem em cada dia do ano e que se reconheçam a paixão e a natividade dos amanheceres. 

A seguir, alguns trechos de livros considerados sagrados por muitos. Um deles é atribuído a Jesus; outro, a Maomé; outro, a Allan Kardec. Por bem, achei melhor não revelar autorias. O que é dito é fundamental. Compreendamos isso!

“Deus não muda o destino de um povo até que o povo mude o que tem na alma.”

“O homem é assim o árbitro constante de sua própria sorte. Ele pode aliviar o seu suplício ou prolongá-lo indefinidamente. Sua felicidade ou sua desgraça dependem da sua vontade de fazer o bem.”

“Com o critério com que julgardes, sereis julgados. E, com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também.”

UMA PERGUNTA SEM RESPOSTA

Um texto pela vida e pela morte covarde de Dandara, espancada até a morte.

O que torna alguém um covarde? Humilhar, torturar e matar um ser humano da maneira mais brutal possível sob o olhar indulgente de uma câmera e divulgar tudo isso com a certeza de que, mais uma vez, a impunidade prevalecerá? Negar que existem pessoas intolerantes, preconceituosas, extremistas, desumanas ou simplesmente hipócritas o suficiente para não admitir que o mundo está erguendo muros (reais ou imaginários) cada vez mais asfixiantes entre as pessoas? Obrigar o outro a repudiar sua essência, sua personalidade e sua sexualidade apenas para satisfazer a cegueira doentia dos que insistem em fechar os olhos para o inevitável: as diversidades existem, queira você ou não? Calar-se diante das cenas de bestialidade gratuita promovidas por débeis mentais fantasiados de jovens? Achar graça com o vídeo em que uma pessoa inocente e indefesa apanha até morrer? Botar a culpa na vítima? Indignar-se por alguns minutos e, como num relance, esquecer toda a barbárie que existe nestes tempos de insanos e reacionários? Não se sentir parte desse homicídio, seja como cúmplice, seja como vítima? Por favor, me digam o que é covardia, que eu já não sei mais! No frigir dos ovos, somos todos covardes, de uma forma ou de outra!

UMA BREVE RESPOSTA


Como é notório, não sou de divulgar coisa que o valha por estas paragens virtuais. Sou de um tempo em que a vida apenas acontecia, sem necessidade de publicidade. E assim permaneço, procurando viver em um mundo de verdade e não em um ambiente em que todos são perfeitos, politizados, religiosos, conscientes e gargalhantes.
Agora, o fato de eu não escancarar meus minutos em redes sociais não significa que não tenho minhas visões acerca dos absurdos que vivenciamos nos últimos tempos. 
Sim, meu caro, não sou um alienado ou um covarde por não me permitir entrar em bate-bocas virtuais. 
É que não preciso mesmo cair nos anacronismos estúpidos de quem ainda não saiu dos anos 60 e estabelece dicotomias sem sentido, defendendo o sacrossanto Capitalismo das garras profanas e avermelhadas do Comunismo.
Não vou mesmo discutir com quem não respeita as diferenças necessárias à construção de nossa humanidade.
Não vou mesmo perder saliva desconstruindo seus mitos políticos infanto-juvenis. 
Não vou mesmo me incomodar com sua incapacidade cognitiva de perceber que a democracia, mesmo com todos os seus problemas, é necessária à sanidade de uma nação.
Não pretendo perder tempo contrariando as almas nobres as quais, acreditando cavalisticamente que têm seu lugar loteado no céu, defendem a brutalidade, a agressão e a morte como formas de justiça, sem a decência de analisar cada caso com o mínimo de racionalidade.
Aliás, posso sim manifestar minha opinião sobre tudo isso e muito mais! Mas tem um problema: Só o farei pessoalmente, na base do olho no olho, com educação, sem agressão, sem sobressaltos ou afetações típicos de quem é contrariado em redes sociais. 
Enquanto você estiver escondido sob esta carapuça virtual, não tem conversa. 
Quer debater, é no "face a face"! Caso não queira, continue mostrando o "feice" a quem interessar possa!

ENSAIO SOBRE A IMBECILIDADE


* Texto dedicado a todos os companheiros professores, em especial, aos de História, Filosofia e Sociologia, que, todos os dias, lançam luzes sobre as trevas que nos consomem!

Por início, conveniente é estabelecer um conceito de IMBECIL. Consoante os mais reconhecidos dicionários, IMBECIL é aquele ser de inteligência limitada, de juízo impreciso e vago, de pensamentos tolos, ou seja, um idiota de estirpe e pompa. 
Uma vez expostas essas acepções, enveredaremos pelas várias maneiras de reconhecer um IMBECIL. Para melhor percepção do fato, optamos por elencar os procederes do IMBECIL nos parágrafos em seguimento.
O IMBECIL é uma figura peculiar, sobretudo quando decide, sabe-se lá por qual razão, repercutir suas ideias. À guisa de exemplo, um perfeito IMBECIL, diante da notícia de uma professora agredida por um aluno (leia-se IMBECIL imberbe), consegue encontrar atenuantes ou mesmo, pasmem senhoras e senhores, justificativas para a barbárie praticada pelo agressor. Com isso, o IMBECIL garante, em sua tão inspiradora opinião, que a professora é merecedora de uma cara quebrada por ser esquerdista, por ter aplaudido quando o outro levou ovada ou por ser feminista. Isso nos demonstra, de modo quase empírico, o quão débil é o pensamento de um IMBECIL. Haveria explicação ou justificativa para tamanho ato de violência? Que espécie de mente chucra conceberia tal raciocínio? Esses fatos nos levam a acreditar que o IMBECIL, em suas divagações pseudointelectuais, desconhece a noção do ridículo. Antes que esqueçamos, obviamente um IMBECIL, ao ler este texto, irá avermelhar-se, propagandeando jamais ter dito que a professora merecia ser violentamente agredida. Dirá, por certo, que suas palavras foram distorcidas irresponsavelmente. Qual nada! Esquece-se o IMBECIL de que suas ignóbeis postagens dúbias não deixam dúvida de que, no mínimo, não houve sequer a intenção de se solidarizar com um ser humano violentado por um IMBECIL, o qual, mesmo sendo um aprendiz de imbecilidades, já havia inclusive agredido a própria mãe e esta, pelo que consta, não se mostrava esquerdista ou feminista. 
O IMBECIL, ademais, defende causas as mais absurdas. A saber: Ele acredita ser doutrinação tudo que tangencia seu pensamento limitado; é naturalmente racista, elitista e sexista; arrota moral com santinhos de bom dia e mensagens de autoajuda e, logo em seguida, compartilha vídeos em que mulheres são apresentadas como um pedaço de carne para o deleite dos lobos no grupo do aplicativo de mensagens; vomita que uma mulher de roupa curta não se dá o respeito e que estaria pedindo para ser estuprada (claro que esse pensamento não se aplica à filha do IMBECIL); vaticina que Filosofia, Sociologia e História são fábricas de "comunistas" (termo utilizado com muita frequência no palavreado do IMBECIL); visa transformar as relações sociopolíticas em uma briga selvagem de arquibancada, regurgitando em suas pouco repercutidas postagens dicotomias sem sentido, apoiando-se no discurso de defesa da pátria contra os malvados e sanguinários "comunas".
Outrossim, o verdadeiro IMBECIL não acha que deva existir o termo Feminicídio, afinal de contas, violência contra a mulher, pelo fato de SER MULHER, isso é apenas MIMIMI. Aliás, essa onomatopeia, a meu ver tipicamente IMBECIL, encaixa-se bem nos propósitos argumentativos de um IMBECIL, afinal de contas, todo e qualquer grupo histórica e socialmente secundarizado, invisibilizado e marginalizado deveria mesmo era continuar como sempre esteve: calado. 
Por fim, saliente-se que o IMBECIL adora mitologia. Mas não a clássica, evidentemente. Esta o IMBECIL até mesmo despreza. O IMBECIL de verdade costuma instituir mitos que façam repercutir seu discurso de ódio, que apregoem a pena de morte aplicada de forma sumária e irrestrita para todos os "bandidos" (só não vale se o bandido for, por exemplo, da família do IMBECIL), que alardeiem escolas sem partido, mesmo sabendo que isso pode criminalizar educadores pelos motivos mais fúteis. 
Haveria mais, certamente, para discutir sobre essa criatura estranha, o IMBECIL, que há muito vem ganhando espaço em redes virtualizadas, que bem servem aos ofícios da imbecilidade. Mas encerramos por aqui, não sem antes dizer que não respondo a IMBECIS por uma razão simples: ainda não sei bem como me comunicar com tais seres. Bem que eu poderia tentar, mas não faço a mínima questão.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Eu matei Belchior!


   De princípio, chegamos a acreditar que as coisas novas nos encontram tarde demais. Mas esse pensamento costuma surgir bem depois, quando qualquer arrebatamento não passa de um cheiro enjoativo de incenso vendido em feira. Na juventude, quase tudo nos enleva e nos transporta a um tempo de descobertas que se torna instigante e melancólico por ser tardio.
    E foi exatamente assim, inebriado por uma penumbra de insatisfação com tudo que me cercava, que ouvi, pela primeira vez, a canção "A palo seco", de Belchior. 
    Estava pelos dezessete anos, já no curso de Letras da Universidade Federal do Ceará. Procurava me encontrar em meio a tantas caras novas, tantos gritos contidos, tantas faces ainda por se construir como peças de um mosaico. Era noite, pois assim deveria ser, e acontecia uma espécie de sarau no bosque Moreira Campos, outra figura que vim a conhecer muito tardiamente. Entre estranheza e desassossego, dei de sentar em um fio de pedra no tento de apenas observar o movimento. Até que uma figura de cabelos compridos surge de assalto, saca um violão e começa a entoar uma canção que falava de desespero de uma maneira misericordiosa e, ao mesmo tempo, essencialmente convidativa à reflexão e à revolta. 
     Não resisti a aproximar-me do camarada e perguntar se aquela belíssima letra era de autoria dele. Nunca me esquecerei daquele riso murcho e daquela expressão reprovativa ao me responder lacônico: "Não! É Belchior!". A maneira como me respondeu fez-me corar de vergonha, afinal de contas eu sequer sabia do que ele estava falando. Belchior? Não me vinha nada com esse nome, nem mesmo o jardineiro amolgado do romance - uma lástima, por certo, para um estudante das literaturas!
     O nome Belchior e a letra da tal canção ainda martelariam por dias sem fim na minha já tão acabrunhada memória. Se fosse hoje, bastaria puxar do bolso um "smartphone" qualquer e voilá, habemus papam. Naquele tempo, tudo era mais difícil e burocrático. 
     Só depois de muito inquirir e vasculhar, acabei por descobrir que um amigo de faculdade tinha um disco chamado "Alucinação", do dito Belchior. Tratei logo de pedir emprestado. Mas ele não queria emprestar, sob a alegação de que o material era uma raridade. Que banho de água fria! 
      Quem sabe por se comover com minha cara de frustração diante de sua negativa, ele sugeriu algo que me soou como presente. Se eu lhe desse uma fita cassete, ele gravaria o disco para mim. Assim o fiz. No dia seguinte, estava eu com uma Basf novinha, pronta para ser gravada. Prometeu-me, então, que traria no dia seguinte. Demorou quase um mês. Quando finalmente decidiu me entregar a bendita fita, já nem sabia se deveria mesmo agradecer. Agradeci assim mesmo e tomei rumo.
     Em casa, na privacidade do quarto, peguei meu toca-fitas portátil e botei a fita para rodar. O que veio depois nem sei como explicar. Ouvia cada faixa umas três ou quatro vezes, isso para poder entender mesmo, deglutir as letras, anotá-las em um caderno, quase como se me pertencessem. Com o tempo, fui estabelecendo com essas canções um acordo de pertencimento. Elas eram minhas, ao passo que eu me entregava a elas mansamente, como se por medo de me extasiar em demasia e não conseguir mais encontrar o caminho de volta. 
      Ao passar dos dias, apreendi também o nome das canções. "Apenas um rapaz latino-americano", "velha roupa colorida", "Como nossos pais" - que já tinha ouvido na voz de Elis Regina. E a canção que me despertou para tudo isso: "A palo seco". Duro foi saber o que essa expressão significava. Mas tudo veio em seu momento certo. E fui, enfim, apresentado a Belchior. 
     Ele me acompanharia por meses a fio, quase num ritual diário, um mantra. Não saía de casa sem antes ouvir o que quer que fosse de Belchior. Outras canções chegaram, as preferidas se estabeleceram. Mas, de susto, ele partiu de minha vida. Letras e leituras diferentes tomaram conta de meus dias. Belchior passou a ser um nome eventual. Suas músicas se distanciaram de mim. Migraram para o Sul, quem sabe. No começo, ainda mandavam notícias da nau. Depois, deixaram de me procurar, muito por não obterem resposta de minha parte. Eram como um amigo distante, que só fazia sentido ou despertava algo quando se materializava, mas, se não, desaparecia fácil da lembrança. Belchior, aos poucos, foi esvanecendo da memória;
    Meu Deus, em que momento mesmo eu matei Belchior? Quem me fez fazer isso? O pacto que estabeleci com a maquinação renitente do dia a dia? A concupiscência mercantilista a que submeti boa parte de minha sensibilidade? A indefectível pressa que me fizera queimar os escritos que outrora me protegiam? 
     Penso que sou esse assassino. Matei Belchior. Hoje até teria o poder de ressuscitá-lo. A tecnologia me permitiria esse feito. Mesmo assim não mais dividi com ele as mesmas sensações de desamparo. Para reencontrá-lo de verdade, eu deveria morrer também, mas, por enquanto, falta-me a coragem necessária para tanto. Talvez eu morra amanhã, só para experimentar mais uma vez o corte cego da primeira navalhada.