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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Amar ia...


Amaria, assim mesmo, futuro do pretérito.
Seria mais, se tempo houvesse.
Se fosse acaso, não teoria.
Se fosse vivo, não instante.
Se fosse leve, não inconstante.
Se fosse pele, não palavra.
Se fosse descanso, não distância.
Se fosse entrega, não vigília.
Se fosse amparo, não pressa.
Se fosse crença, não tentação.
Se fosse brisa, não pensamento.
Se fosse mão, não espera.
Se fosse paz, não desagravo.
Se fosse, ao mar iria
amar
ia
apenas mar
ia

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Sobre insônias e epitáfios



          Momentos de insônia servem, dentre outras, para exercitar a paciência e a imaginação. Em um desses, depois de idas e vindas em tentativas frustradas de pegar no sono, não houve como evitar um pensamento mais lúgubre, carregado de uma sombria tristeza. Entanto, nessa feita, passei a compreender o momento derradeiro de uma forma mais prática. Em vez de arregimentar métodos tolos para escapar do inevitável, pensei mesmo no que poderia ser escrito na lápide de meu túmulo. E o que se escreve nessas coisas? No final, essa última frase, que vai ficar como uma espécie de verbete, mostrará aos curiosos o que tentamos ser em vida, mesmo que, na maioria das vezes, não tenhamos efetivamente conseguido. Imaginei, pois, uma série de possibilidades.
               Para um bancário: "Vem pra Caixa você também!"
               Para um aficionado em televisão: "A gente se vê por aqui!"
               Para um bêbado: "Capotei, mas desci redondo."
               Para uma periguete: "Até a terra comeu!"
               Para um dono de supermercado: "Lugar de gente feliz!"
               Para um político: "Morri negando."
           Para um homem apaixonado: "Está faltando você aqui, querida!"
               Para uma balconista: "Próximo!"
               Para um pessimista: "Tá achando que é melhor? Vem pra cá!"
               Para um fanático por tecnologia: "Cova fazendo download."
               Para um espírita: "Me aguarde!"
               Para um otimista: "No fundo, no fundo, não é tão ruim..."
               Para um manifestante: "Eu não, mas o Brasil vai sair do buraco!"
               Para um aluno desinteressado: "Amanhã não vou pra aula!"
               Para um piadista: "Quer saber um segredo? Vem aqui que eu conto..."
               Para um fã de Roberto Carlos: "Esse cadáver sou eu!" 
            Para um valentão: "Me tira daqui que eu te mostro quem é o morto!"
               Para um ex-aluno do colégio Evolutivo: "Seu futuro está aqui!"
               Para um publicitário: "Anuncie aqui!"
               Para um funkeiro: "Se joga, se joga joga na minha cova e vem."
               Para um micareteiro: "Enfia o pé no chão!"
               Para um tuiteiro: "#partiu."
               Para um viciado em Doril: "A dor sumiu!"
               Para um crítico inveterado: "Alguma coisa a gente tem em comum!"
               Para um vidente: "Eu sou você amanhã!"
               Para um motorista de ônibus: "Sempre cabe mais um."
               Para um concurseiro profissional: "Esta vaga é minha!"
               Para um beneficiário do governo: "Minha casa, minha morte!"
               Para um sertanejo universitário: "Nossa, nossa, assim você me mata!"
               Para um viciado em sexo: "Morro por um buraquinho..."
               Para um afeito a refrigerantes: "Só tem terra, pode ser?"
               Para um marido insatisfeito: "Enfim só!"
               Para um bom irônico: "Aqui jaz e aí também!"
               Para um usuário convicto de celular: "Você, com fronteiras."
               ...
               Agora, para mim: "Descansando em paz...finalmente!"

               
          
               
               
               
      

domingo, 28 de julho de 2013

Soneto pela insônia


Sou a que exaspera, veladamente,
que se levanta frouxa, feito aurora,
mansa e termal, de um só, feito demente,
mas, em muitos, grita meu ser agora.

Sou a flor que morre ao raiar do dia...
ex-pátria, de alma amputada... em silêncio
corredores sujos, sem companhia,
ditam os passos, que fogem em prenúncio.

Grito à fome que ainda me sacia,
aos loucos que me arremessam anzóis,
ao vento que me aquece as carnes mortas.

Por instantes, temo a vida, tão fria
que os sonhos me cobrem, como lençóis,
e a noite, que arde, já não mais importa.


terça-feira, 23 de julho de 2013

Crônica a bem do destino



           Alguém aí acredita em destino? Ao avaliar os fatos do ponto de vista unicamente academicista, o acaso não passa de atitudes que, por insistência do ser interessado, convergem para a realização de algo há muito desejado. Nada de sublime, por certo. Apenas insistência. Mas, estranhamente, a despeito da frieza que me vem por hábito, prefiro não pensar assim. Esse tal destino existe sim e é de uma molecagem de ébrio, quase invenção de cearense. 
       Se imaginássemos uma situação aparentemente simples, como enredo de novela das oito, e acrescentássemos algumas pitadas de ficcionalidade, teríamos um bom exemplo de como o acaso pode ser decisivo na vida de alguém. Vejamos. A começar, um encontro despretensioso em um lugar em que se esperaria encontrar quem quer que fosse, menos quem por ali esperaria não ser encontrado. Entende? Continuemos. O reencontro é inevitável. Como perdessem o costume das conversas mais longas, as palavras principiam de maneira tímida. Entanto, em poucas frases ditas ou reditas, o íntimo aflora, e algo novo se refaz misteriosamente. Assim, o tempo se desfaz e as vozes se confundem, que muito há para ser dito, e o palavreado flui desarvoradamente, como se desacreditassem de uma próxima vez, como se estivessem diante da derradeira confissão. Sentam-se um ao lado do outro. Tocam-se levemente, testando a veracidade do momento. Ampliam-se, tornam-se longínquos, teorizam e desacreditam. As boas falas dos melodramas cinematográficos, as canções de apego, o Marxismo, o exoterismo, Freud e suas insônias, nada suprime o verdadeiro motivo daquele instante: o acaso. 
             Motivado pelas horas avermelhadas impostas pelas solidão, ele crê em toda a poesia estirada sobre aquele momento. É noite, como tinha que ser. O que mais lhe apetece são os olhos da moça. Olhos de xilogravura. Olhos de sertão, de noite sem nuvens. Olhos de boi, manhãzinha cedo, sorvendo da folha única um resto de orvalho. Esses mesmos olhos veem-no como antípoda. Ela não é de ter com os poetas. Pelo contrário, é uma revolucionária, apesar da feição de vidro. Seus pensamentos são livres, tremulam, impregnam-se de imagens consolidadas, presas a instituições teóricas que lhe fazem, naturalmente, desacreditar das versões pouco originais do amor. Nada que venha dele destaca-se. Por isso mesmo, desperta-se nela uma sensação de inutilidade intelectual, como se ali vasculhasse em todos os bons teóricos um silogismo que fosse para explicar a criatura que se punha à sua frente. Ele é uma aporia. 
             Depois de tudo, o nada. A despedida. Com ela, promessas de uma outra vez. A partir dali, o que viesse passaria a ser meticulosamente planejado. Mas o início, esse nasceu de uma circunstância inexplicável, fruto do mais puro e arrebatador acaso. O destino, por mais improvável que pareça, existe. É que passa despercebido no percurso das coisas. Mas o princípio está nele. 
         Talvez sobrevenha, ao final desta leitura, a curiosidade de saber quem são esses dois seres originalmente opostos que, por uma peraltice do acaso, optaram pela contiguidade. E não seriam quaisquer dois? Entendo que o leitor queira nomes. Francisco e Maria. Nomes bem simples, simbolizantes do que há de mais comum. É favor recordar que o destino, por muitas vezes, aninha-se na simplicidade. Talvez por isso o acaso seja tão desacreditado. Por ser simples demais. 

domingo, 14 de julho de 2013

Janelas do laboratório


Quem mandou botar
janela no laboratório
Quem mandou botar
janela no laboratório

agora eu vi o mar
agora eu vi o mundo
agora eu vi o mar
agora eu vi o mundo

vou pro meio da rua
vou pra fazer pirraça
vou pro meio do povo
vou pro meio da praça

Quem mandou botar
janela no laboratório
Quem mandou botar
janela no laboratório

vou me manifestar
vou pra fechar o tempo
vou pra me libertar
vou ter o meu momento

Quem mandou botar
janela no laboratório
Quem mandou botar
janela no laboratório

agora eu sou o mar
agora eu sou o mundo
agora eu sou o mar
agora eu sou o mundo

quarta-feira, 10 de julho de 2013

SARA



Sara
Sempre sara
Sempre cura
Desfilando
Tanta gente
Que não sabe
Que não tem

Sara
Sempre rara
Sempre escura
Vai pro quarto
Vai sem culpa
Sem dever
Nada a ninguém

Sara
Sempre clara
Sempre dura
Traz no corpo
uma pintura
de uma flor
e alguns vinténs

Sara
Sempre fala
Sempre escuta
Abre a porta
É criança
Fecha a porta
É mulher

Sara
Não repara
No que eu trouxe
Uma rosa
Um acabou-se
E o tempo
Que vier

domingo, 7 de julho de 2013

À querida Gleide.


            Se não nos falta encantamento, resta apenas o encontro, aquele há muito adiado pelas desrazões. Ainda subsiste, persistentemente, uma memória que busca, a cada palmo, a delicadeza dos gestos, a alvura, os cabelos trigais, as palavras doces e imerecidas. Estou ressequido por uma série de entraves que a vida, por travessura, imputou-me. Nada não. Haveria, pois, dor que se estendesse tanto que não fizesse crer na cura, no alívio? Que a sua paz, a que neguei, a que inexplicavelmente persiste em velar-me, ainda que ao longe, que essa paz chegue logo, mansa e didática, com a mesma leveza de seus dedos sobre minhas esperanças.


terça-feira, 2 de julho de 2013

CARTA DE AMOR


CARTA DE AMOR FICTÍCIA, COMO NUM EXERCÍCIO DE ESCRITA E SENTIMENTALIDADE. 

               
              Querida ......................................, 
              Tuas ausências, estranhamente, são o motivo condutor das horas que aprisionam os dizeres mais secretos. És a íntima razão das páginas em branco. E teu corpo silente faz da memória um atracadouro sem embarcações. Há algo sanguíneo em tua beleza, e a própria criação subsiste por teus instantes de desapoderada euforia. Em ti, pensamento e palavra unem-se, em um cio, e esta, de tanto êxtase, queda indizível. O que quero ao teu lado é imortalidade.  
            Se te imagino a declamar o que te mascare a dor, é que te quero bem, não como os amantes  de início ou as canções sem rumo; o que te oferto é oração, qual devoto filial e atento. Por tanta fé, exercito, a duras lutas, uma paciência gregoriana. Sei que te libertarás dos clarões que turvam a lembrança e desencorajam os gestos. Deixarás de ser memória e serás encantamento.
               Outras vidas, não as pretendo, a não ser que me haja garantias de que retornaríamos pelo destino que nos une e nos tenta a buscar, secretamente, os desejos mais latentes. Assim é o destino: a  foz do reencontro.
         Serás amiga e amada, fruto de meu tempo de espera; reconhecerás em mim tua absoluta paz. E que as palavras encontrem em ti o descanso necessário. 
                Com o carinho de quem apenas vela,
                .....................................................................................