Amigos leitores que por aqui já passaram

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Crônica por acaso

         
            Se me perguntam por que escrevo, digo que faço em razão do acaso. E assim não são as grandes realizações? A começar, escrever é medir a coletividade pelos olhos do indivíduo. Ao desvendar os riscos da página em branco, tolhem-se preconceitos há muito arraigados, rompem-se as cancelas do tempo e da memória, descalçam-se os pés, que é preciso sentir o solo de cada ente; escrever é reconhecer linhas de mãos estranhas e, a um só tempo, familiares. Ao meu ver, isso tudo só se realiza por acaso.
             A primeira vez em que o acaso me veio, destoante das rotinas do mundo, eu não estava preparado para aceitá-lo. Ninguém está. Somos burocratas por hereditariedade e, por isso mesmo, esperamos que tudo ocorra da maneira mais funcional e organizada possível. O acaso é avassalador para quem só espera pelo sussurro morno do calendário. Assim se deu, quando menos esperei. Logo eu, descrente de quase tudo, tangível ou não; o pior aluno da cátedra de Filosofia, porque racionalizar nunca foi meu mote. Não, não vou dizer que tudo ocorreu num simples e providencial dobrar de esquina. Foi mais. Descrever a parábola que sucedeu certamente não é uma atividade simples. O mundo, naquele instante, se punha a mim como um reflexo, e compreender a psicogênese desse espelho é bastante doloroso. Em questão de átimos, a maquinal  arte da rotina dava lugar a um sangradouro de expectativas, uma celebração íntima me arrebatava, como se me desfibrilassem cada veia, num misto de agonia e renascimento. O acaso sempre nos é libertador. 
              Ainda ontem - e o ontem é tudo que a memória é capaz de alcançar - conversava com um amigo de letras e magistério, alguém com quem o acaso mantém uma relação quase filial, e ele dizia só conseguir escrever diante de algo que verdadeiramente o arrebatasse, como uma paixão de última hora ou uma perda significativa. Louvo essa visão epifânica da escrita, embora não compartilhe dela. Escrever assim é o que se pode chamar de dom. No meu caso, travar batalhas com os espaços em branco no papel soa como algo fisiológico, que se expele diante das situações mais abjetas ou simplórias. Escrevo atrelado ao tempo, atendendo telefonemas, elaborando e corrigindo provas, atento aos pedidos do filho, às contas de casa, ao pneu vazio do carro. Que inveja tenho dos que se trancam em sótãos, cercados de livros empoeirados, e preparam ratoeiras para as palavras; capturam-nas e, em seguida, adestram-nas para que elas realizem os mais inesperados movimentos. Eu não busco a palavra; espero que ela se aproxime e, aos poucos, adquira a confiança necessária para entregar a mim sua virgindade. As palavras surradas, prostituídas, essas não me guarnecem. 
            Todos guardam alguma cicatriz causada pelo acaso. As minhas são tantas, que chegam a encobrir o rosto. Cada vão desnudado da folha em branco tinge a existência de vermelho-sangue, revelando veios, ocultando outros. Quem sabe, por acaso, alguém leia este texto e, pelo mesmo acaso, alguma linha tenha feito sentido, de modo a transformar a palavra em espelho. Talvez, por acaso, tenha sido perda de tempo chegar até aqui. O acaso seria mais transigente se lêssemos menos e criássemos mais.                     

sábado, 18 de junho de 2011

Palestra


Projeto LiterArte: Quando a Arte Dialoga com o ENEM
Palestra: Movimentos Culturais de Juventude
Palestrante: Prof. Sinval Farias
Período Horário Local
20/6 18h às 21h Sala Cine Vídeo
SESC CENTRO - Rua 24 de Maio, 692 – Centro. Fone: 34552103
Entrada Gratuita.

domingo, 12 de junho de 2011

PASSANDO A LÍNGUA NA CANÇÃO


DIA 01/07. AUDITÓRIO DA APESC, RUA 24 DE MAIO, VIZINHO À VILA DAS ARTES.
PASSANDO A LÍNGUA NA CANÇÃO: DÉCADA DE 60, DA JOVEM GUARDA À DITADURA MILITAR. PROFESSORES: HELDER GONDIM (VOZ E VIOLÃO), LEIRTON CARNEIRO (HISTÓRIA) E SINVAL FARIAS(LÍNGUA PORTUGUESA). ENTRADA GRATUITA.

Sobre cartas e namorados


          Encomendaram-me, quase por desafio, um texto que tratasse sobre o indefectível dia dos namorados. Para completar, pediram algo "sério", sem acidez ou barbitúricos que estragassem o solene toque de recolher da data. Agora, não sei bem sob qual perspectiva devo iniciar tal empreitada onírica. Conforme o apelo, certamente não seria do agrado colocar o mencionado dia no rol das efemérides puramente mercantilistas. Ademais, um comentário lugar-comum como esse em nada influenciaria a verve de pelúcias, rosas e outros mimos simpáticos que abastecem o peito dos puros d´alma. Entanto, deveríamos ser justos. Se nos obrigamos a presentear namorados no dia que se dedica a eles, deveríamos, obviamente, despender esforços de modo a brindar outras categorias sociais mais úteis, como o carteiro, por exemplo. A quem interessar possa, o dia do carteiro é 25 de janeiro. Presenteemos, pois, nossos queridos e inconsoláveis carteiros, tão importantes, tão esquecidos por uma sociedade que prefere a palidez do e-mail ou das redes sociais. Não sou contra dar presentes ao companheiro em data oportuna, mas não esqueçamos os que nos são realmente providenciais, como o suado carteiro, coitado, que, debaixo de sol e chuva, salvaguarda um dos últimos resquícios de alma e poesia em meio ao caos cosmopolita, a carta. Todavia, para facilitar a vida e economizar bons trocados, que tal namorar o carteiro? Dessa monta, um só presente mataria a jogada.  
          Verdades à parte, no dia dos namorados cabem-nos algumas indagações. Por que ser namorado(a)? Imagino a substância criteriosa das respostas. Porque não quero ficar sozinho(a). Triste é pensar que as pessoas, sobretudo os jovens, esquecem que as grandes realizações universais ocorrem quando se está consigo mesmo, acompanhado tão-somente do pensamento e da felicidade clariciana de ter chegado lá. Os vencedores, os que realmente nasceram para isso, antes de receber abraços outros, costumam abraçar a si mesmos, pois reconhecem a importância do estar só no momento certo. Será que estou com a pessoa certa? Outra pergunta clássica, reveladora de uma sensação tão clássica quanto: a incerteza. Distinguir a pessoa certa na multidão não é tarefa simples, evidentemente. Quando criança, ou mesmo na fase adulta, sei lá, há quem mire nuvens na intenção de atribuir-lhes formatos. Veem-se coisas, bichos, pessoas. Até que se encontra a nuvem certa, com o formato mais inesperado, e é essa dita nuvem que nos prende a atenção. Nuvem maldita...nunca vi coisa assim...não pode...isso é coisa de ET. As reações diante da situação são várias. Creio que esbarrar na pessoa certa é como encontrar uma dessas nuvens. Não é a nuvem em si que faz a diferença, mas a forma como olhamos para ela. Não é a nuvem que nos escolhe, nós a escolhemos em meio a tantas, todas iguais, incapazes de despertar o mesmo vigor imagético. E, por ser nuvem, não nos esqueçamos, as formas mudam, os contornos esvanecem, dependendo apenas de um pouco de vento. As nuvens se desfazem, e o que resta é apenas a imagem inicial, aquela que se moldou pela frenética busca de encontrar algo suficientemente diferente, enquanto, penso, a grande diferença estava na maneira única de ver o que precisava ser visto.
          Será que estou realmente feliz ao lado dele(a)? Essa pergunta é das mais difíceis, já que lida com o lado prático do relacionamento a dois. Felicidade é algo essencialmente particular. Um amigo de infância confidenciou-me certa vez que se sentia realizado ao ver a namorada chorar. Segundo ele, não havia momento mais sublime, mais extasiante, do que enraivecer a moça até não poder mais, até o momento em que ela, sem suportar o terror psicológico, deixava escapar lágrimas que, pela ótica do algoz, conseguiam torná-la mais bela do que em qualquer instante de sorriso. Para ele, portanto, a felicidade reside na tristeza do outro. Estranho, mas compreensível. Outras felicidades habitam atitudes menos bruscas, mas, no frigir dos ovos, levam à mesma sensação de delicadeza e euforia. Diga-se de passagem, não há nada mais delicado do que uma lágrima.
         Se faltou alguma pergunta, não vem ao caso. Minha intenção não é ser o detentor de todas as verdades, nem tive a pretensão de criar um manual de sobrevivência para namorados de primeira viagem. Se já namorei? Claro. Mas fiz isso por diversão, e assim deveria ser. Quando namoramos, queremos levar uma vida conjugal séria e definitiva, estabelecendo rédeas e normas dignas do mais obscuro matrimônio. Depois do sonhado casamento, como forma de reestabelecer vínculos há muito perdidos, não é difícil ouvir do parceiro o famoso "devíamos voltar a namorar". Sinceramente, não consigo dizer palavra sobre dia dos namorados. Melhor gastar caligrafia com outras coisas. Acho que vou escrever uma carta. Não um e-mail. Uma carta.   

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Esqueço porque é necessário;
não por vondade, mas por segurança.
Esqueço para não me entregar à espera,
como se o novo passo dependesse essencialmente
dos rastros que se apagam, do anonimato das pegadas;
Esqueço para que outros possam recordar,
não o que me desencanta e que está em tudo ou ao redor
de todos; faço-o por autopreservação,
que meu ofício é erigir estátuas e nelas gravar epígrafes
que inspirem o homem e a fúria do tempo.
Esqueço porque me foi dado o dom da recriação.

domingo, 5 de junho de 2011

Face manchada de espelho


Nas esquinas dos ponteiros, ainda espero por mim:
à cata de um não que me distraia do sim!