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domingo, 29 de maio de 2011


Virou mar
aquele dia em que eu te conheci,
virou mar porque dali parti
pra nunca mais voltar.

Virou mar
o quase tempo que tirei pra nós
o quase instante de cessar a voz
do nosso eterno atravessar.

Virou mar
que já não importa aportar a dor,
morrer na curva desse Bojador,
toda tormenta enfrentar.

Virou mar
porque a rota sei que há de mudar,
e a qualquer tempo pode nos levar
em calmarias e luar.

Virou mar,
que é o destino do desbravador,
seguir em busca d'outro Arpoador
onde se atraque o amor.


* Poema para ser musicado. Alguém se habilita?

quarta-feira, 25 de maio de 2011


Tanto mais é tua noite, insone e antiga,
tanto quanto tua lonjura fixada em telas,
bem mais que a palavra não-dita,
não-palavra,
mais que o quando de sol prometido,
conquanto entre nós sol não houvesse.
De nós, um rastro miúdo ainda leva
a um amanhecer menino, brincante na retina.  

Poema em (re)talhos



um dia eu paro,
mas é noite, então continuo...
e quando chegar a madrugada,
o dia se tornará noite
e o desejo de continuar permanecerá
aceso,
que nunca é a última,
é sempre a penúltima... (vez!)
"Eu e o coração companheiros de absurdos no noturno"
notívagos sem direção.

quarta-feira, 18 de maio de 2011



...um dia eu paro,
mas é noite, então continuo...

tudomudacompletamentemudadetalmaneiradetalmontadetantofelmudademododemudançamudaràreveliadenãomudaromundomudamosnãoseiondemudarétãoconstantedotextonãosainadalémdemudança


plurissentimento ou prelúdio do esquecimento



é pena, não mais te sigo,
és tão etérea, feérica de dar dó,
que meus olhos, fincados a ferro em piso queimado,
resignados olhos e antigos,
de antes demais, desconhecem agoras,
como olhos que só ausências explicam
poderiam alçar perfeito voo,
que perfeição reinventas,
como mirar o sol saudoso do alvorecer dos olhos
sem desmentir as retinas cansadas da memória

terça-feira, 17 de maio de 2011

Desabafo linguístico

             
              Não me espanta que os cidadãos comuns, leigos no que tange a estudos linguísticos, recriminem, até de forma ferrenha, o padrão coloquial da língua. Também não me admira que a mídia, sempre disposta a sacos de gatos, exponha em letreiros garrafais que um livro didático adotado pelo MEC ensina a falar "errado". Agora, o que arrepia meus indigentes cabelos de professor de Língua Portuguesa é ver colegas de Letras e Circunstâncias defenderem a golpes de Aurélio que a única maneira de falar corretamente é agir como prega a gramática. 
         É evidente que não devemos menosprezar a variante formal da língua, a normatividade, mas é necessário que a norma padrão seja compreendida como realmente é: uma variante, ou seja, um mecanismo de expressão verbal do qual se deve lançar mão quando a situação comunicativa assim determinar. Imagine a linguagem, pois, como um imenso guarda-roupa, recheado de modelos que, dependendo da situação, poderão ser utilizados ou não. Pense como seria estranho ir à praia de terno e gravata, ou comparecer a um velório com sandálias de borracha, bermudão vermelho-berrante e camiseta regata verde-limão. Para interagirmos com os textos que expressam nossos direitos fundamentais (Constituição, Código Civil, CLT...), é preciso conhecer o padrão formal da língua; além disso, para desvendar as veredas da literatura, é impossível prescindir da norma culta. O problema é que, muitas vezes, confundimos a língua com a gramática. Há quem cometa a gafe de acreditar que é a gramática que rege a linguagem, ao ponto de considerar errada qualquer forma de expressão que se desgarre das prescrições gramaticais. 
          A começar, a escola não ensina a Língua Portuguesa. O que costuma ser ensinado é a linguagem padrão, e, diga-se de passagem, sem fundamentação prática. Aprendemos o que é um substantivo concreto, mas não passamos muito disso, ou seja, não percebemos como esse conhecimento pode contribuir para que nos tornemos leitores eficazes ou redatores eficientes. O ensino da gramática, por vezes, se afasta perigosamente do texto, o que faz com que as aulas de português se tornem um mero apanhado taxonômico, fazendo o aluno engolir, a palo seco, adjuntos, objetos, predicativos e outros despautérios sem sentido. 
            Quem diz "Pega os peixe" parece ser merecedor da fogueira santa da inquisição gramatical. Porém, se observarmos com o mínimo cuidado, mesmo aqueles que têm acesso à educação escolar, e, por tabela, conhecem a norma culta, em uma conversação despojada, cotidiana e afetiva, tendem a pedir licença à concordância e à regência, trazendo para o discurso tudo que é necessário para dar leveza à linguagem. É assim que somos, e é assim que a língua funciona, como um camaleão pronto para trazer para si as cores que o tornarão devidamente adaptado ao ambiente. 
            Por fim, alvíssaras a quem acredita que, num futuro não muito distante, espero, o ensino da Língua Portuguesa passará por uma efetiva reformulação, sem deixar de lado o padrão formal, imprescindível em inúmeras situações, mas prestigiando também as infindáveis "línguas" que nos rodeiam, permitindo, assim, o acesso democrático e plural ao que realmente podemos chamar de linguagem, abrindo mão de (pre)conceitos obsoletos para que, com propriedade, possamos descobrir as possibilidades que esta tão nossa língua nos oferece.      

sábado, 14 de maio de 2011


...mais cansado que sozinho.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Brevidade


É um risco essa coisa de não entender o que, em sua essência, é palpável...
 Bárbara Queiroz

A noite se vestiu de silêncio,
e o tempo me despiu de você.

É que nos aproximamos demais
e turvamos a vista.

Todo amor devia ter placa de MANTENHA DISTÂNCIA!


Madrigal


Je t'apprendrai, chère petite,
Ce qu'il te fallait savoir peu
Jusqu'à ce présent ou palpite
Ton beau corps dans mes bras de dieu.
Paul Verlaine

Um tom a mais de vertigem revela
a silente morada do teu sexo;
à entrada, detenho-me, genuflexo,
ante as rosadas ondas de procela.

Atiro-me em teu úmido relevo:
Poros exasperados de tesão!
Seios lascivos, em mendigação!
Corpo que arrulha, qual gozo primevo...

E as mãos, punhais encravados na pele,
regem os movimentos do seu amo,    
arando com vigor a nova terra.

Fodo-te, que assim tuas curvas me impelem:
Alimento-te com meu morno bálsamo
e, lânguido, preparo-te outra guerra.

domingo, 8 de maio de 2011

E se...

          E se, em providência, desinventassem a razão, e o olhos, mais obsoleto instrumental de visão, se permitissem enxergar as nódoas essenciais, sangue espalmado nas mãos dos homens; a percepção ampliada, não haveria lugar para desenredos, abismos d'alma, separações.
         E se, algures, um ser carregado de desejo trincasse a vista e materializasse as coisas perdidas no vão dos relógios, sem dor nem piedade, apenas o fizesse por instinto, como saciasse a sede de cada vivente, como espraiasse vida, mesmo sem a fé necessária às grandes realizações, mesmo sem a argamaça de desculpas inúteis que tantos recriam para que a teoria da felicidade inatingível seja, para sempre, resguardada das ousadias dos loucos. 
     E se não nos amparássemos nas muletas das realizações impossíveis, e tudo que um dia se firmou por desencontro passasse a ser o húmus do porvir, sem desacreditar do que passou, mas, sobremaneira, fincando pé no amparo de um texto que está por ser escrito a quatro mãos, paulatinamente, que assim são os romances, embora o que mais apeteça a sede de ontem sejam os contos, as historietas rápidas, que satisfazem justamente por serem concisas e podadas; tão mais fácil crer no encurtamento dos caminhos, que esquecemos que a poesia, a despeito da brevidade, recria espaços, dá ao cérebro motivos de humildade. 
          E se nos permitíssemos, ao menos uma vez, uma noite que fosse de entrega absoluta, sem citações ou banalidades, apenas os corpos inundados de aflição e saudade, descarnando cada centímentro, cada pétala deixada para trás, por maturação, que assim são os sentimentos, qual frutos que amadurecem pelo calor das inúmeras ausências, tão necessárias às certezas, embora houvesse formas menos dolorosas de se descobrir o inevitável. 
       E se pudéssemos voltar no tempo, reconstruir promessas há muito demolidas, desfazer enganos e retribuir de forma mais pulsante as gentilezas postas sob nossos pés; tantos são os que passaram, e o que deixamos para eles? um telefonema vazio e apressado, sem a doçura do retorno, sem o sorriso tatuado na retina, que houve com o tempo em que cada pedaço de sonho jogado no firmamento reinventava o céu?
          E se acontecesse o pior, e a morte, velha intrigueira, sentasse ao nosso lado e nos apontasse o relógio, e tempo não mais houvesse, a não ser para um último alento, a despedida dos familiares; entanto, se fosse dada a oportunidade de escolher alguém sem vínculos genéticos, alguém que, na derradeira hora, seria lembrado de tal maneira, que tudo gritaria seu nome, quem escolheríamos?
       E se não nos escondêssemos feito crianças assustadas com fogos de artifício, e se tivéssemos a coragem de lutar, mesmo em desvantagem, e erguêssemos a bandeira dos que creem na infalibilidade do destino.
         E se não houvesse mais a palavra para amenizar as distâncias.
         E se simplesmente acabasse num ponto final.
         E se reticências teimassem.
         E se findasse.
         Apenas se.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Imagem virtual



A Paulo Leminski

                                                                  "sol fazia
                                                                   só não fazia sentido"


...uma rede social
conectando dois coqueiros
à beira-céu, beira-nuvem, beira-anil;

um usuário, dois corpos,
bytes em ebulição, alta octanagem,
viral, vitral, virtual...

...todas as mentiras reais
tornam-se lentes de aumento
perto da tua virtualidade...


domingo, 1 de maio de 2011

Onde estão as velhas fotografias?

        


          Quantas pessoas nos observam, de longe, em tocaia, espreita pura do corpo e das palavras? Seja nos confins tecnológicos dos galpões virtuais, seja no mar morto e indolente dos retratos encardidos, sempre existirá quem nos resgate. As fotografias, devo, pois, defendê-las, que nelas habitamos como gostaríamos de ser lembrados, em ritual moderno de embalsamamento, afastados dos cortes longitudinais do tempo, navalha e fio. O único desamparo dos retratos é a distância que se nos impõe no desembarque da memória. De um lado, a figura lúcida e vivaz, do jeito que deveria ser desde a eternidade, senhora de si e de outros que a buscam, ponteiro cruel das saudades, expostas como veias em sangria, que assim é a memória, por vezes sanguessuga, por vezes rede armada entre dois coqueiros; de outro lado, um suicida, uma figura de despertar pena pela covardia de desejar ser aquela fotografia, mas a pequenez de sentimentos trava a eficácia de qualquer remédio, e, mesmo diante de tamanha imobilidade, tudo transporta o ser a um mundo de sem-pernas, sem-braços, sem-juízo, apenas lembrança e coração, um o algoz do outro.                                      
          Quase não tenho fotos, e preciso urgentemente consegui-las, fotos minhas com os outros, fotos outras, quiçá familiares ou casuais, registros humanos das coisas importantes, ou banais, que importa, banal é tudo que pode ser fixado pelo olhar, o resto é por demais insólito para compreendermos; alguém deve ter um retrato, uma lembrança, não no sentido nostálgico, mas na intenção de souvenir mesmo, pois guardamos isso dos momentos, ou ao menos deveríamos fazê-lo, já que cada encontro com o mundo e com os outros é como uma longa viagem, devemos ir preparados para qualquer situação, frio, sede, sustos, imprevistos, mas sobremodo é preciso registrar esses instantâneos, senão passam, viram rio de pedras turvas e escorregadias, carregado de peixes enlouquecidos contra a correnteza, refazendo percursos que não existem mais, só que é da natureza desses peixes tentar.
          Viagens essas são necessárias todos os dias. Alguns vão sempre aos mesmos lugares, deliciam-se com as paisagens de sempre, tão de sempre, que são capazes de desenhá-las milimetricamente com a ponta do indicador, usando as suaves tintas do recomeço; admiro os que percorrem as veredas de sempre sem achá-las monótonas, sem arriscar outros confins, que aquela é a viagem única e derradeira, na medida em que viajar é uma constante busca por um lugar que nos faça não querer mais viajar, fincar pé, enraizar, e ali cevar as criações. Já os aventureiros, esses preferem domar o ambiente, por isso mesmo se alçam sem cansaço do despenhadeiro, que é no meio da queda que estão as melhores lembranças; tais criaturas têm na pele a nódoa cigana, não fincam banca em terra alheia por muito tempo e sabem, desde as horas umbilicais, que o prazer da trilha está no trilhar descalço das recordações acumuladas. Mas também existem os que descobrem, em casual passeio, o lugar perfeito ao ponto de não caber nas caixas fotográficas, um lugar que estivera ali pelos tempos ancestrais, aguardando o olhar certo que o resgatasse do mormaço, que basta um olhar diferente sobre as coisas para que elas se embotem e deixem de ser mera paisagem; esses não são aventureiros, nem proprietários, são apenas visitantes zelosos, que experimentam a sombra de cada árvore, menos uma; que ajudam a desenhar todos os pores-do-sol, menos um; que cuidadosamente encaixam cada estrela em seu respectivo bocal de breu, menos uma; Que inveja desses sábios que sempre deixam alguma coisa por fazer.
        Destarte, o importante é que, a cada lance de riachão, piçarra e neve, o momento fique registrado. Agora mesmo, fixei por uns segundos o porta-retratos, são ali meu pai e meu filho, justo registro dessas viagens inesquecíveis. Alguém, em algum momento, viajou por mim, e onde estão as fotos? Eu, por muitas vezes, me fiz por essas viagens, mas, na maioria, não as levei comigo em retratos; ainda tenho algumas fotografias, mas de imagens retorcidas pelo desgaste dos tempos, e quase não cuido delas, volto a elas somente quando não há mais nada a fazer, tanto que para ver com nitidez tenho que comprimir os olhos de tal monta, que é inevitável escapar uma lágrima.