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domingo, 11 de outubro de 2015

SOBRE SER PROFESSOR


         
          Nunca fiz planos de ser professor. Aconteceu. E já faz vinte anos que acontece, todos os dias. É uma rotina exaustiva, mas desafiadora e, sobretudo, digna de muito orgulho. Experimento diariamente os entraves da mais intrigante das artes humanas: a convivência. E decidi, por razão qualquer, que esses momentos poderiam ser mais do que simples encontros furtivos. É dessa necessidade, ou quase angústia, de tornar as horas menos insignificantes que ferve em mim a vontade de ser professor. 
         O que dizer depois de tantos anos de lida? Não escolhi fazer o que faço. Fui escolhido. Como estabelecesse um pacto, ingressei nessa profissão com o afinco dos que trazem nos olhos algo muito próximo de paixão. Aos poucos, acostumei-me com a sala de aula. O barulho, as brincadeiras, as pequenas maldades, os distúrbios de sono, as desculpas esfarrapadas, os dizeres mais nobres ou o palavreado mais vil, tudo isso se tornou meu de alguma maneira. O que decidi ter como profissão é exatamente o oposto do egoísmo. Sem saber o porquê, assumi os problemas do mundo. O tímido no canto da sala, olhos pesados de tanto penar pelos erros alheios. A pensativa de cabelos coloridos com suas histórias renitentes e escorregadias. O desbocado e suas mil e uma maneiras de esconder as feridas mais profundas. O displicente, abandonado em seus desenhos, rabiscando mundos e tornando-se rei. A rebelde e sua incessante luta contra os moralismos que lhe impõem tantas dúvidas. Todos eles me interessam, me intrigam. E são muitos, meu Deus, postos lado a lado.
          De repente, depois de tanto tempo como professor, dei-me conta de que a paixão por que tantas vezes fui invadido transformou-se, providencialmente, em um amor sensato e perene. É uma pena. É que o amor, às vezes, nos dá uma sensação muito perigosa de domínio daquilo que temos ou fazemos. Uma impressão cruel de segurança que, mais cedo ou mais tarde, leva à acomodação. Ainda consigo lembrar das vezes em que, antes de entrar na sala de aula, o estômago embrulhava e as mãos suavam. Sinto falta dessa inconstância. 
          Dia desses, deram de me chamar de educador. Sou professor. Em outras circunstâncias, poderia ser apenas uma questão de terminologia, mas, segundo consta, existe uma diferença. Até aí, nada de mais. O problema é que essa discrepância faz com que ser professor pareça algo medíocre. Bom mesmo é ser educador. Um sacerdote que abandona tudo em prol de sua crença, que se doa caridosamente aos seus afazeres diários. O professor é aquele que se revolta com a carga horária desumana que precisa enfrentar diariamente, que reivindica um salário condizente com sua dedicação, que sai às ruas gritando palavras de protesto, que é chamado de vagabundo. O educador está bem acima disso tudo, que ele não paga contas, não tem família, não compra livros, não come. Não quero dizer com isso que não haja algo de mágico em nossa profissão.  Entanto, a despeito de qualquer idealização, o que queremos é ser valorizados como profissionais da educação. Como professor, tenho o direito de questionar o sistema no qual estou inserido. Dessa forma, quem sabe, as coisas comecem a mudar. Um educador estaria ocupado demais com seus aforismos para se preocupar com isso. 
         É uma pena, por certo, que o ofício de professor pareça fadado à extinção. A maioria dos jovens não se interessa por seguir carreira no magistério. Penso que uma parte da culpa disso resida em um sistema hediondo que supervaloriza as carreiras ditas de elite e desestimula aqueles que tenham a ousadia de pensar em viver da educação. Agora, um outro grande responsável por toda essa depreciação é a própria escola. Ora, é claro que o aluno percebe o quanto alguns professores penam para encarar certas situações na sala de aula. Além das cobranças excessivas, as burocracias, a correria, a baixa remuneração. Para completar, nas feiras de profissões promovidas por muitas escolas, por incrível que se possa parecer, a profissão de professor não é representada. 
        No final das contas, ser professor no Brasil não é uma tarefa para qualquer um. É preciso ter paciência, coragem, um bom par de pulmões, joelhos fortes, disposição sobre-humana. Sigo por esse caminho há vinte anos. Apesar dos pesares, eu não saberia viver de outra maneira. Não sou desses que tiram fotos a torto e a direito para mostrar o quanto são amados. Não me considero subcelebridade ou algo do gênero. Apenas saio de casa, todos os dias, disposto a dar o melhor de mim para que os alunos possam reconhecer o quanto respeito o que faço. Na maioria das vezes, penso que isso acontece. Se estou diante de um único aluno, como já aconteceu, ou de milhares, como também já aconteceu, tenho certeza de que, de minha parte, nunca faltou o estampido necessário no olhar. Certa vez, recebi uma mensagem de alguém que dizia não lembrar meu nome, mas, por causa de algumas aulas minhas, tinha decidido cursar Letras. Quero viver na esperança de que essa pessoa, um dia, se tornará professor e outros cursarão Letras por causa dela. Saber que fiz parte disso é o que me move. Meu nome é o que menos importa. Sou professor. 
        

domingo, 26 de julho de 2015

Novelos




Por amar demais, os instantes passam
E as horas aspergem as impurezas
Com a essência da mais pura certeza
De reparar a chama dos que amam.


E assim, sem medo, os corações gritam,
Entre mendigação e realeza,
Desamparando a incorpórea presa,
Ofertando pouso aos que não descansam.


Vem a noite, e todo grito emudece:
Os ponteiros são antigos novelos;
O tempo rege discretos sinais.

Porém, antes de tudo que anoitece,
O corpo reage aos brandos apelos,
Sem estranheza - Por amar demais!