Amigos leitores que por aqui já passaram

segunda-feira, 28 de outubro de 2013



Flores, que contradição!
Murcham no vaso,
Brotam no coração...

domingo, 27 de outubro de 2013

Palavreiro


Quanta falta faz
a palavra simples,
que é lavra constante,
o verbo gestante,
o advérbio mocho,
o adjetivo frouxo,
o substantivo.

Não encontro mais
a palavra eclipse,
a que pede água,
a que reivindica,
a que mente ao filho,
a que morde e fere,
a radioativa.

Algo ainda me traz
a palavra dia,
que se oculta em gestos,
que recolhe os restos
e devolve amparos
na diária fala
rouca de calar.



   




            Todos os dias sem resposta, as incógnitas do tempo, as mensagens sopradas ao acaso ou o próprio acaso por mensageiro, as vincas no rosto... seja amor?
            De bater demais, coração desmazelado abriu janela. Que mundo é esse? Gigantesco...
            Se não reconheço passos antigos, levo-os comigo...
            Palavra...nada demais, senão essência, o próprio umbral, passo novo a alimentar-se do caminho...
           
            

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Cântico



Tem mais música no desterro,
na angústia, nas extremidades,
mais acordes nas banalidades,
nos bares, na penumbra dos olhares,
nas gotas, no retinto dos asfaltos.

Tem mais música nas gentes opacas,
nas horas e nas noites incandescentes,
nas antessalas, nas baionetas e estilhaços,
mais partituras nos veios dos rostos salobres,
na tenaz insistência dos recomeços.

Tem mais música no patrimônio furtado,
nos desapontamentos, na devassidão,
na doença, na clave sem dó nem privacidade,
mais melodia no gesto figurativo,
no braço estendido do ocaso, nos dísticos.

Tem mais música na ferocidade,
nos pulmões entupidos de cinzas e insônias,
nos braços ressequidos dos renegados,
mais harmonia nos sentimentos antigos,
nos baixios habitados por indigentes.

Tem mais música na criatura morta,
na criança perdida, nas bestas,
nas caricaturas sentimentais,
mais poesia nas cidades assoladas,
no abandono das crenças, nas farsas.

domingo, 13 de outubro de 2013

Sobre ontem e amanhã



           Fui pequeno, mais do que o necessário, invisível pela própria condição, sem sumo, um sobrevivente que a vida deu de jogar na praia, por isso mesmo um pária entre gigantes. Sem irmãos, apoiei-me em amigos vários, de todas as massas, seres luminosos por certo, infalíveis em seus conflitos, implacáveis em suas divergências, apenas amigos, fraternos porque os decidi assim, meninos sem religião ou pudor, conhecedores de todas as manhas do conhecer, o destino a desafiar a genética, o negro gago e falastrão, o órfão de irmãs cortejáveis, o simplório de seis dedos em cada mão, o ariano insosso de olhos azuis, o magriça estudioso e aprisionado, quantas faces sem nome, a palavra que os define não fora dita, que são mais, mais que o sentido de toda uma infância, mais que uma vultuosidade na memória, mais que um derradeiro encontro na antiga quadra de futebol, agora meu coração é essa quadra, e todos ali estão, ensurdecedores, desbocados, como em um porta-retrato em feitio oval. Tornei-me, pela suprema ironia, professor, e de Português, um néscio, um leitor limitado, mas que, aos poucos, deu de riscar mundo com retóricas convincentes, de apaixonar-se pela persistência, as árvores, as nuvens, as letras, não havia mais diferença entre as coisas, tudo passou a ser criação e análise, forma e conteúdo, diegese e exegese, e os alunos, os sorrisos, suas percepções, sua apurações, seus rostos aflitos apontados para as janelas, e eles, muitos deles, de olhares atentos postos sobre meus trejeitos caricaturais, dominei-os por não ser um deles, e ainda assim permitir que se aproximassem o suficiente ao ponto de abraçá-los com ironias. Veio-me João, meu filho, espelho de carnes rijas, anunciante das boas horas, a doçura de seu choro, a obrigação de perenizar-lhe o sorriso, a catapora que quase o tirou de mim, as viagens e as falas distantes, os tempos em que não se havia tempo, as festas de pais sem o pai, a voz encorpando, o corpo gritando, os pelos, as mudanças. Fiquei sem pai, por que justo ele? ficaria sem mim, mas ele, por quê? não assistimos à  goleada de seu time de coração, não conversamos sobre o clima que muda sem fundamento, não previmos os números da loteria, não sentamos na areia da praia, não vimos o mar juntos, mas dei-lhe um neto que o abraçou. Fui tabagista inveterado, boêmio a embebedar-se de olhares, divorciado sem teto. 
             Diferente não sou, apenas a tudo que cri ser acrescento um passo: algo nobre, sem dúvida, mas inexistente para mim, até que, por destinação, peraltice das horas, em um (re)encontro fugidio, surgiu, sob as faces do dragão, o anjo que prometeu resguardar-me os passos, doce sob seu manto de mulher, um espasmo que me fez acordar de anos de uma hibernação complacente e descabida, um nome que eu não tinha e passei a ter, uma perspectiva de família, uma voz de perdão, um eu te amo depois do amor, um quê de menina em suas traquinagens, um posto assumido de sentinela, tão por acaso quanto o que se pode contar em uma noite de luas e vinhos, chegante nos ventos de agosto. Sou a ausência dos ponteiros, a mácula dos reflexos, a ponte que redesenha os rumos do futuro; sou, então, estranhamente sem medo, sem hábito. Além de tudo que continuo sendo. Sou amor por definição ou o que se permitir que eu seja. Sou feliz, por ora. 

sábado, 12 de outubro de 2013



Se soubesses que a palavra, a mesma que une e resguarda,
não tem poder de ceifar o que entre nós se embala.

Se soubesses que a vida, a mesma que tolhe e resvala,
não diz mais que teu nome, não existe sem teus olhos girassóis.

Se soubesses que o tempo, o mesmo que aprisiona e chora,
não segue sem teu encanto, sem teus dedos ponteiros.

Se soubesses que o espelho, o mesmo que invade e confisca,
não se crê sem tua imagem, sem tua face segura e moldura.

Se soubesses que eu, o mesmo de ontem e sem amanhã,
trago no peito algo que não se aquieta sem tua presença.