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domingo, 29 de abril de 2012

Anedota


Em mil novecentos e qualquer coisa,
vadiante encontrou malote
entupido de letras A.
Com elas, viageiro fez história
e contou vantagem.
Professor Almeida investigou,
investigou,
descobriu que de A deu DOR.
Louco, farsante, sacripanta!
Vagabundo pôs cuia a perder de vista.
Professor morreu sem obituário.
Viandante é vivo ainda
no A de DOR,
que não se tinha,
mas se criou.

nada de útil


As palavras, manipulei-as
de tal maneira, sem prumo,
sem rito,
no grito,
no soco,
a seco, a ferro e nó,
em pó,
à rédea solta,
que agora desafrontam,
vingando liberdade,
e o papel de outrora é branco,
o de ora nublou-se de espanto,
tanta preguiça,
banto, goitacá, branquiçobas,
alviverdes,
arrivederti,
arrefercer-te,
a morte, no norte, é sorte,
sou sulameríndio em promoção,
rima raquítima, qual andaime e inhame,
o último grito a palavra espanta,
a palavra grito espanta espanta,
espanta grito a palavra último,
ultimamente não me tem vindo
nada de útil, nada.


domingo, 15 de abril de 2012

Machado de Assis, um blogueiro




Fiz parte, certa vez, de um grupo de aspirantes a escritores chamado Rosa Literária. Esse grupo, dizem, tornou-se a "última agremiação literária do século XX ". Ainda bem. Afinal de contas, para que servem essas patotas literárias, senão para nominar o inominável, para arrefecer tudo aquilo que os autores de verdade, com esforço e talento, levaram anos para construir. Além do mais, se fizermos um levantamento minucioso dos que habitam as reuniões de cera desses grêmios literários, veremos que muitos estão ali  por motivos outros, não por merecimento. Caso não esteja enganado, para ser escritor e pertencer a uma academia qualquer, é preciso escrever alguma coisa e, de preferência, publicá-la. E estou sendo extremamente condescendente, uma vez que sugiro a publicação de qualquer coisa, mesmo sabendo que essa "coisa" deve transparecer o mínimo de arte.
Nunca publiquei nada de teor verdadeiramente artístico. Somente alguns livretos comerciais de análise de obras indicadas a estudantes que fariam uma prova e, em geral, esqueceriam o que e por que leram; algumas apostilas, enfim, nada de mais. O que escrevo não se pode chamar de arte. São letras rejuntadas, apenas. Se me meto a poeta ou cronista vez em quando, é por pura falta do que fazer ou por simples revolta. Ocorre que sempre tive a necessidade narcísica de mostrar às pessoas o que escrevo, mas sem lançar mão de quantias absurdas para apapelar meus textos. Eis que me sugeriram um “blog”. Relutei, relutei, até que cedi aos apelos e, principalmente, ao fato de ser gratuito. Assim nasceu o “Língua Afiada”, que está chegando ao seu quarto ano de existência virtual.
Ocorre que, no início de minhas atividades bloguistas, colegas de Letras chegaram a murmurar que um blog somente para divulgação dos textos de um autor desconhecido não vingaria. Melhor que fosse algo funcional, voltado para concursos, vestibulares ou pormenores gramaticais. Ainda bem que não costumo dar ouvidos a balbucios. Deixei de lado os desincentivos e passei a publicar na grande rede, sem a obrigação do diarismo, textos variados, e vi que era bom. Algumas pessoas, em conta-gotas, foram se interessando pelo blog, comentando os textos, elogiando ou execrando, mas, sobretudo, lendo, o que é o mais importante.
Cheguei a ouvir que textos publicados nesse tipo de suporte, um blog, perdem o valor literário, tornam-se diários pessoais, impregnam-se de frivolidades. Se forem “rasas” demais, as publicações sequer merecerão uma piscadela acadêmica; se forem eruditas e convincentes, o grande público fará questão de passar pela outra calçada.
Na verdade, desliguei as desditas alheias e acreditei que poderia manter um espaço no universo virtual para divulgar exclusivamente o que escrevo, com total e irrestrita liberdade. Ademais, não podemos negar que os tempos são outros, e as tecnologias, se utilizadas de forma adequada, são instrumentos essenciais para a divulgação do trabalho artístico. Machado de Assis, se houvesse tido acesso a tanta inovação e progresso, certamente escreveria um blog, e isso não desmereceria sua obra.
Entanto, tenho consciência de que, enquanto meus textos não se materializarem em celulose, não serei levado a sério como escritor. Paciência.
Gostaria muito de ser convocado para participar de uma dessas Academias de Letras, apenas para ter o sublime prazer de recusar o convite. É que não me vejo prostrado entre bajuladores cheirando a mofo e a chá. Vou criar minha própria academia, a ACLV – Academia Cearense de Letras Virtuais. Quem sabe, dessa maneira, possa me tornar imortal pelo que escrevo, não pelas abotoaduras que ostento.             

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Ode a Fortaleza


Fortaleza, o que guardas em teus muros de areias branquinhas
e ondas cravejadas de gentes?
Enquanto fores tantas, inclusive Iracema é um de teus nomes, 
nunca saberão por que suportas o deserto,
a imperfeição de teus entes, a criança que te brinca de bilas e pião,
o senhor em bigodes reclamando o pão-de-milho, manhãzinha,
ou a tapioca; e, se aponto o dedo e disparo uivos mil,
é que sou teu rebento, e tua mão é carinhosa demais,
calorosa, a mais calosa, 
que quase não se vê a linha do destino.
Fortaleza, casa comigo, dá-me um Moacyr,
faz de mim tua sentinela!
Da mãe gentil, és a filha rebelde, morena praiana,
vestido curto, saracoteando pela orla
à procura de um desbravador...
Fortaleza, ai que vontade de chamar-te minha,
mas és tantas! 
Deixa-me segurar na barra de teu suntuoso vestido, 
que sou teu amante ontem, tua guarida amanhã.
Hoje sou cada pedaço de rara beleza e miséria ambulante
que faz de ti terra de meu peito.
Em ti, Fortaleza, sepultei meu coração!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Massa poética


dois adultos e três crianças,
costelas salientes, retintos de fome,
um dos curumins, o menor,
mal sustentava a queixada ossuda,
e o sol esfalfava-lhes o couro de lagarto
ou de açude varado pela seca,
domavam as ancas estreitas,
devoravam papel,
catavam o chão.

(nem tudo
                                 no absurdo
são metáforas)

domingo, 8 de abril de 2012

Fundação


Não crio palavras, aproximo-as apenas,
condiciono-as ao tempo, torno-as pragmáticas,
distancio-as das vozes ocultas
e das imagens desbotadas dos antigos reflexos.
Que me tenham por feitor ou capitão do mato,
não por guardião: as horas me cedem quase nada.
Nesse estreito vão, por onde todos passarão um dia,
oferto versos sobretudo aos párias,
aos psicóticos e suas neuroses com espelhos,
aos enamorados das misérias e perversões,
aos tolos torturados pelas vozes de ontem,
aos restos deixados nas varandas d´alma,
aos posseiros, aos ignorantes, aos cegos...
Como o de uma criança, é doce o olhar do bandido,
antes do derradeiro tiro, eis do que é feito o verso,
e o espaço em branco habita o peito intranquilo
de um tolo desesperado que se crê íntimo de tudo
e se rasga por jamais irromper do casulo
e ser larva, verme dependente e rastejante.
Após tamanha laceração, a palavra é nada
e ninguém.
As carpideiras velam por ofício o infortúnio,
ao poeta cabe a mesma sorte,
e assim como na eternidade habita a morte
na palavra há um sopro
entre o escárnio e a iluminação.




domingo, 1 de abril de 2012

Vigília



Mal acenei, optei pelo escaninho,
daqui recebo notícias de suas viagens
(E o ranger das horas!).

De onde estou, posso mantê-la nua
e livre, desafiando intempéries.

Perto da noite voraz
(Agora chove!),
condenou-me à amizade:

Correção severa demais
para quem pretendia apenas velar
(E esse tempo que não emudece!).