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sábado, 21 de junho de 2014

Crônica a bem da felicidade



          Como expugnar o que, na maioria das vezes por pura conveniência, convém tachar de felicidade? Pelos poucos anos que a vida me ofereceu até agora, talvez muitos perto do que ainda me resta, aprendi pouca coisa sobre essa estranha sensação de satisfação plena. O fato é que, para ser feliz, penso eu, é preciso estabelecer metas, ou não, que se danem as metas, mas é necessário ter o mínimo de fé naquilo que, por acasos ou certezas, poderá trazer os segundos de paz necessários ao reconhecimento dessa tal felicidade. 
           Creio que o passo mais urgente para encontrar trilhas suaves que levem à felicidade seja estabelecer um pacto fronteiriço com o futuro. Para isso, é de bom grado romper definitivamente com os acordos do passado, criar vínculos novos e limpar de vez a poeira do tempo que insiste em se acomodar nas gavetas. Para ser feliz, tese minha, tem-se que desobstruir artérias e, em alguns casos, implantar marcapassos. Como diria meu saudoso pai, não pode faltar sangue no olho, coragem de reagir, indignação de ruborizar a face. É como saciar um vício há muito desamparado pela abstinência. 
          Há quem vincule felicidade a amor, à religião, ao encontro, à perda, à esperança. Entanto, melhor mesmo é destinar ao tempo os principais motivos para ser feliz. E o tempo, esse personagem de farsas, caminha lenta e melancolicamente, desliza impressentido pelas horas, em voo brando, como as corujas no nosocômio do velho contista. Às vezes, falta-me tempo de escrever, de doar um pouco mais de atenção ao amigos, de ser pai afetivo ou marido dedicado. Os ponteiros me fogem, riscam os dias como para lembrar que, a cada translação, a vida se esvai, os natalícios deixam de ser importantes, as datas comemorativas perdem o amadurecimento prematuro. Tenho pés e mãos cansados do tempo. Os joelhos, sobretudo o esquerdo, doem. Sinto profundas oscilações de pressão. O tempo me cobra, me enerva. Contudo, foi nesse mesmo tempo, eivado de frentes frias, que me desatei a ser feliz. Encontrei aos poucos, que sempre me dediquei ao exercício da impaciência, razões sólidas para crer na constância da felicidade. O que me veio, muito a conta-gotas, sem vexame, foi como uma exortação do tempo, uma singela advertência de que as oportunidades, essas que vêm e vão num piscar de estrela, existem e merecem ser aproveitadas da melhor maneira possível. 
             Não posso, em verdade, apalpar as frutas de vez de cada pé para testá-las o amadurecimento. Sei das que cultivo. Assim, digo do que me faz feliz. Certamente alguém há de se reconhecer no que exponho. Outros apenas desconhecerão. Devo dizer, portanto, que os pontos fundamentais de minha malfadada explanação sobre a felicidade não se encravam em paredes suntuosas, roupas de grife ou automóveis de luxo. Deixando de lado a pieguice, entendo que, de nada vale a mais ininteligível das mansões, se não é possível tê-la como um lar. Todo lar é erigido sobre a égide da família. Não me contenta uma marca caríssima do mais fino tecido de seda Charmeuse, se o que pretendo mesmo é correr nu pela praia. Isso sim é liberdade. Carros de alta escuderia não me impressionam. Ideal mesmo é uma estrada e uma cabocla com a gente andando a pé. 
             Agora, justiça seja feita, não existe sensação mais eloquente do que a de saber que somos o motivo da felicidade de alguém. Esse é o ponto. Acordar de madrugada para velar o sono de quem se põe ao seu lado, surpreender com uma palavra de abrigo, acarinhar sem esperar nada em troca, utilizar todas as impressões sensoriais para dizer que ama, elogiar, perdoar, recordar, esquecer. Se o tempo é por demais curto, estendê-lo com gestos de carinho e amparo é uma boa saída. Até que mais poderia ser dito, mas paro por aqui. Estou um pouco atrasado. Preciso urgentemente aguar a felicidade das pessoas que amo.