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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Pleno, por dentro e por fora


E foi noite infinda,
vida não vingava,
momento era insônia,
qual nó de gravata.

A vida, que vida?
Que vida? Qual nada...
O tempo estancado,
página arrancada.

E eu feio, perdido,
por dentro e por fora,
sem luva, sem calço,
sem lua ou aurora.

E a vida, que vida?
A mesma de sempre...
chegou-se piedosa,
trazendo um presente.

Em forma de acaso,
vestida de ontem,
cheirosa das flores,
eivada de fontes.

Os olhos, tão olhos,
foz de simetria,
desejo de louco,
paixão arredia.

Se por insistência...
tudo nasce assim,
por que haveria
de não ser em mim?

Agora só canto
e danço sem medo;
a vida - Que vida! -
trouxe meu sossego.

Que faço? Agradeço?
Componho sonatas?
Saudade sem monta,
vontade danada!

O que não havia
se impõe, remoçando,
que, depois de tantas,
fui me apaixonando.

Se ainda sou feio,
não sei, pode ser,
mas vejo que, às vezes,
é bom não saber.

Por dentro e por fora,
nem mágoa, nem grito:
o que guardo em mim
é mais que um bendito...

É mais que palavra,
É mais do que o rito,
É mais do que mais,
É mais do que sinto...

Que a vida me leve,
de leve...que tarda!
Que traga, de tarde,
M.E.










           

domingo, 18 de agosto de 2013


Se não houvesse pela frente
teus olhos mansos e cansados,
nada de noite, nem dia,
nada de falta, nem açoite.

Se todo fosso encaminhasse
ao estradão do paraíso,
nada de carma, nem calma,
nada de bomba, nem arma.

Se em cada aço desse esteio
adormecesse a tua presença,
nada de fome, nem silêncio,
nada de livre, nem de nome.

Se a cada passo desejado
só um desejo se erguesse,
nada de medo, nem desculpa,
nada de culpa, nem degredo.

Se mais um dia, só um dia,
fosse o que fosse para nós,
nada de planos, nem glórias,
nada de restos, nem enganos.

Se os teus olhos, descansados,
no breu, notassem minha mão,
nada de hoje, nem depois,
nada de nada, só nós dois.

Se não se sabe amar, como lidar?




          Perdi, há muito tempo, as condições necessárias para estabelecer qualquer relacionamento amoroso com quem quer que seja. Esqueci como lidar com a convivência, com os amparos sentimentais, com as vidas entrelaçadas. Mesmo a simplicidade das mãos dadas, em passeio leve pela calçada, não me soa de modo natural. Abraço então, nem imagino por onde começar. Pensando nisso, recorri aos compêndios, aos conselhos dos mais experientes, para poder formular alguns requisitos básicos para se iniciar e, sobretudo, para se manter uma boa intimidade sentimental. 
1. É urgente desenvolver uma técnica de aceitação do outro. Compreender que felicidade sem compartilhamento é tão doloroso quanto tristeza. Ter coragem, sim, de ousar, surpreender, fazer a pessoa amada sentir-se aninhada. Flores não saem de moda e devem ser despendidas nas ocasiões urgentes. Se houver animosidade, se a infelicidade teimar, deve-se lançar mão do velho buquê de rosas, que cura e abençoa, anunciando dias melhores. 
 2. Não esquecer jamais a beleza do toque, do estar-junto, do abraço, do ladeamento. Amores, muitas vezes, vão-se embora ou, o que é bem pior, sequer principiam. Amar não é fácil, exige sangue no olho e desprendimento, mas não se deve abrir mão de si mesmo. Anular-se em função do outro é obsessão, doença. Amor é, em essência, libertação. Enquanto a pessoa amada ao lado estiver, sempre é preciso dar a ela motivos novos e convincentes para um próximo encontro, que pode ser o último ou o decisivo.
 3. O que se sente deve ser dito. Muitos murcharam antes do tempo porque se engasgaram com o que nunca foi dito. Se é amor, que se manifeste. Que se entendam, por serem óbvios, os processos que levam do sentir ao expressar. De um singelo eu-gosto-de-você até um preciosíssimo eu-te-amo, os rumos são desgastantes e tortuosos, mas, havendo o que dizer, faça-o com a verdade de quem sabe que momentos assim jamais serão esquecidos.
4. Alegria, o segredo de qualquer convivência. Sem ela, os dias passam rápido demais, desmantelando-se em rotinas e culpas. Parece-me fácil alegrar o ente amado. Uma mensagem de carinho, uma ligação inesperada, um encontro fortuito, pronto, os olhos recuperam-se de qualquer cansaço e os batimentos cardíacos seguem o compasso agalopado do nome de quem se ama.
5. Dizer a verdade é crucial. Expor-se como se é, sem subterfúgios. Se doer, que doa. Infelizmente, em tempos de internetização dos sentimentos, a dor insiste em não ser virtual. Mas, se for por uma verdade bem dita, ainda que doa, o tempo fará com que se olhe para trás e se tenha a impressão de que tudo foi feito por puro zelo, uma vez que mentir não extirpa a dor, mas torna-a uma metástase. 
6. Caminhar de mãos dadas é, sim, parte da história. No final, a memória vai fazer questão de guardar a integridade desses momentos. Entanto, deve-se ter orgulho dessas mãos unidas, sinais de bons presságios, de boas novas e esperanças.
7. Nunca se pode perder o encantamento. Mirar o outro com ternura, sorrir ao fazer isso. Sentir-se amado e amar como se fornecesse o essencial para dois crescerem unidos e intransponíveis. Dar-se ao olhar, reconhecer-lhe as carências, desvendá-lo. Cantar. É indispensável cantar junto. E gritar. E dançar. E rodar. Mesmo que não se saiba como fazer tudo isso. 
8. Terminantemente proibido é desistir do que se quer. Se vale o enfrentamento, à guerra! Esfriou? Ame mais, surpreenda mais, persista mais, enlouqueça mais. Amor é para os loucos. Dessa forma, tem-se que fazer valer o título de insanidade.
9. A presença nos momentos mais importantes é fundamental. Aniversário, Natal, Réveillon... momentos profissionais marcantes, formaturas. Ainda que os instantes carreguem-se de tristeza, que se esteja lá. O tempo não pode desatar nós que as mãos unidas conceberam com  tamanha urgência. 
10. Por fim, para amar, só há uma saída: realizar o amor. Cultivá-lo, dar-lhe de beber, alimentá-lo a todo instante; fazer com que as famílias se unam com isso, criar paz. É isso. Definitivamente, amar pressupõe paz. Não é cidade, é campo. É praia mansa, alisado de rabo de gato, dedo mindinho de bebê, café de mãe. É paz. Agora, por certeza, não há paz sem luta. Que essa serenidade venha sem receio e que o tempo, estranhamente generoso vez em quando, devolva ao amor a paz necessária para frutificar!

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A seu tempo



tempo
tempero
intempestivo
da tempestade...
têmporas
teimosas tentam
contemporâneas
templárias
contemplação tanta
temporal em tudo
(ex)temporão


domingo, 11 de agosto de 2013

Domingo



          Domingo devia de ser feito árvore de natal, preenchido de luzes e motivos de celebração. Era de ser por comemorar o recomeço. Encontrei um relógio de bolso, banhado de prata, e chovia. Se alguém o perdeu, por puro descuido, é porque havia de parar comigo. Em verdade, já era meu. Apenas se deu conta disso em tempo de me surpreender. Todo domingo tinha de ser assim. Menino ainda, mamãe encontrou um cão de olho vazado. Aos poucos, o bichinho foi ficando. O que começou por piedade tornou-se paixão. Bem que o domingo podia ser como esse cãozinho caolho, a quem papai providencialmente apelidou de Lampião. A névoa no quarto, em clima serrano de menino, é o domingo que espero. A primeira vez no cinema, com meu pai, é domingo. As mãos enlaçadas pelo orgulho de amar, passeantes pelo desejo de esperançar de felicidade um mundo que já não se toca. É domingo. A frase que pede e que, a um só tempo, entrega, o compromisso selado materialmente pela aliança escondida debaixo da pedra, o primeiro beijo depois de tantos sem o mesmo gosto. Domingo. O vazio das horas preenchido pela presença maciça de um colo, um filminho por pretexto para o aconchego, o quarto cheiroso da pipoca, o sabor das primeiras namoradas. Apenas no domingo. O primeiro eu amo você, enquanto a vida se distrai da dor e dos temores, e os filhos que ainda não foram, ainda que jamais sejam, por ali ganham forma e, às vezes, até nome. Domingo. Não confio na segunda, que é de concreto. Domingo é o cartão do presente. Por enquanto, meus domingos são vazios, sem as luzes que lembram as festas. Mas domingos de verdade virão. Domingo devia de ser feito sonho. 

Sobre passarinhos e escaladas



         Dias desses, numa tarde de cair vermelho, figurinha pequena, desamparada por sua pequenez, mirava da forma mais antiga um pardalzinho equilibrista em um cai-num-cai elegante, dependurado no fio de energia elétrica. Quem imagina o que o pequeno sonhador pensava: se na fragilidade grácil daquela criatura ou se na liberdade descompromissada do passarinho que, por não ter ninguém que o alertasse dos encantadores perigos da vida, saltitava sem medo sobre o fio de alta tensão. O que se via era um garoto, o menor entre os seus, farolando as peripécias do pardal, imitando os movimentos do bichinho, sacudindo com certa ternura os braços magriços. E o menino voava, e caminhava leve sobre os fios elétricos, e cantarolava uma canção afinadíssima, e todos os pardais do mundo o reverenciariam. A gênese da felicidade. 
       Para ser feliz, tem-se que permanecer em alerta, estar atento aos detalhes. Cada traço a delinear as horas é motivo bastante de crença na vida. Viver, em sua mais pulsante plenitude, é que move os seres, e o que lateja em cada um são as despercebidas alegrias, essas que preenchem paulatinamente o tempo, aprimorando desejos e lembranças. É que somos trágicos, necessitamos de drama e atrelamos a felicidade a momentos de inigualável grandeza, o que naturalmente nos oculta pormenores. Se se escala a montanha, encantam o topo, a bandeirola fincada, o gigantismo das paisagem ao longe, em cartão-postal. Mas, no meio da escalada, uma pedrinha maldita dá de soltar-se e obriga o alpinista a reinventar instintos até conseguir, entre sorte e perícia, retornar à calmaria inicial. Anos e anos se passam, até que o escalador, agora aposentado, em um último passeio pelo que vivera, recorda a dita aventura. A paisagem de proteção de tela, a enormidade do paredão de pedra, a coragem de se chegar ao ápice, nada tem a mesma nitidez do que a pedrinha que o fizera escorregar. Uma pedrinha solta, maior que a própria montanha. Esta o fizera crer na chegada; aquela trouxera a importância de se respeitar o passo. 
         No final, apenas sobram essas pedrinhas, invisíveis por sua discrição, mas persistentes na memória. Há tempos deixei de lado as pedras e os pardais que trazem consigo a essência da felicidade. Preciso, então, retomar planos, desamarrar cadarços. Exatamente agora, vejo-me em outros tempos, sexta-feira, final de expediente, calças arregaçadas, a água do mar ainda morna correndo pelos pés descalços. E uma paz higienizava o espírito. Meu filho, ao meu lado, encalacrado no computador, risada arteira de menino, tagarelando novidades sobre qualquer assunto. É felicidade em sua raiz mais bruta. 
          A canção certa, quase terapêutica, tocada no rádio, sintonizada pelo puro acaso, faz-me sorrir. A cara enjoada de meu menino pouco antes do banho, faz-me sorrir. O instante em que se percebe o aluno aprender, pelos sinais naturais de seus olhos, faz-me sorrir. A ligação inesperada de um amigo há muito escondido pela rotina, faz-me sorrir. As palavras encaixadas em perfeito mosaico, fazem-me sorrir. O tempo que não passa ou a dor que passa, às vezes, fazem-me sorrir.
          Parece que alguns passarinhos ainda me encantam. Agora, não se pode ter receio ou vergonha de imitá-los, batendo asas que ali sempre estiveram, porque, para voar, antes é necessário acreditar no voo. Se é simples, não sei, e é até melhor que não seja. Ser feliz talvez seja simples questão de sorrir. Sozinho ou não, sobrevivendo ou não, acreditando ou não. Penso que retomarei o hábito de passear na praia ao final do expediente. Há riscos, por certo. Mas a felicidade quer de nós uma contrapartida. Ser feliz, pela própria subversão do ato, exige coragem.  

domingo, 4 de agosto de 2013

Princesa olhos d´água


Onde a pele alvorecendo
e as mechas traços de luz?
Onde as carnes vermelhidas
e os olhos plenos de mel?
Voz não há, senão palavra
que se apaga com o tempo.
E eu aqui no mesmo instante
em que, cheia de tortices,
toda a alvura transparente,
cor de sol em praia mansa,
devolveu-me delicada
a vontade de ser dois.

Sobre absolutamente nada


             Não quero mais escrever. Juro. As bobagens que derramo no papel surtem efeitos muito inesperados, na sua maioria negativos. Melhor guardar comigo o que merece ser guardado. Meu Deus, mas é quase impossível! E olha que já escrevi sobre muitas coisas. Amor, morte, saudade, política, educação. Agora estou propício a não dizer palavra que seja. Talvez o melhor esteja em tratar sobre nada.
               O nada faz parte da minha vida. Tornou-se, aos poucos, um carma e um motivo condutor. Quando menos espero, eis que ressurge o tal nada, em perseguição, provando que o passo seguinte não faz sentido, uma vez que simplesmente inexiste. Planos? Nem pensar. Somente com a irrestrita autorização do nada. Amores? Somente os impossíveis, os que chegam no instante errado e vão embora em tempo incerto. Futuro? Só se for o do pretérito. Por essas, decidi tratar sobre isso. Nada. É o que este texto é. Nada. É o que as pessoas, em geral, tendem a representar umas para as outras. Nada. É o que pensamos ou sentimos. Nada. Pior mesmo é entender que os cultivadores do nada são os mais inusitados. Se criamos expectativas em relação ao outro, idealizamos, passamos duas ou três demãos até mascarar as imperfeições mais grotescas; se inventamos planos, engomamos a roupa, compramos perfume novo, aí é que a pessoa a quem dedicamos tamanha mudança nos vêm conduzindo o abre-alas do nada. E sobra o que naturalmente sobraria. Nada. 
                    Não que eu queira exaltar o nada. Nada disso. Quero mesmo é fugir dele. Mas o bicho me persegue. Por mais que pareça que as coisas vão dar certo, lá vem o danado do nada roubar a cena, obrigando a começar tudo de novo. Já estou tão acostumado que a dor nem perde mais tempo comigo. Basta o nada. Quer saber? Chega. Se o nada me quer, que venha, que se acomode, que me adicione, mas que tenha a ombridade de respeitar ao menos meus momentos de insônia. Podemos, inclusive, dividir bem direitinho. O nada fica com o dia, a insônia cuida da noite. Nada mais justo. 
                  Pedindo agora uma licencinha ao nada, gostaria de fazer um último apelo. Último mesmo. Depois disso, nada. Bom, estou sozinho. Aliás, quando o nada entra em nossa vida, baixa-se automaticamente o aplicativo solidão. Voltando ao assunto, estou sozinho. Então, como ninguém se habilita a compartilhar comigo tanto nada, e quem tentou só contribuiu para a consolidação desse mesmo nada, resolvi tomar uma medida um tanto desesperada. Vou me vender. É isso. Um breve anúncio de classificados, na intenção de encontrar alguém que queira, assim como eu, não se livrar do nada, mas dividi-lo. 
                         Lá vai. Para começar, sou professor. Não tenho muito tempo, a não ser para o nada, como já foi dito. Creio que seja uma grande vantagem, já que a intensidade desse pouco tempo tende a ser inigualável. Além disso, posso, como professor de Português, corrigir trabalhos, tirar pequenas dúvidas em relação ao vernáculo. Posso até dizer o que é vernáculo. Isso sem cobrar, pedindo em troca apenas um pouco de atenção e carinho, o mínimo necessário para quem vem do nada. Sou de conversar e, se não houver assunto, invento. Falo sobre tudo, inclusive nada. Não sou tão privilegiado física ou financeiramente, mas posso compensar com bom humor, algumas tiradas irônicas, felicidade constante e algumas surpresas. Às vezes, quando há necessidade, procuro provar que, quando se quer realmente algo, as coisas se tornam possíveis. Ainda acredito em acasos, embora já tenha acreditado mais. Certa feita, alguém me disse que eu seria algo feio por dentro e por fora. Não caia nessa. Ao menos a primeira parte não é assim tão verdadeira. No mais, não sou de cobranças, quase não tenho ciúme, mesmo tendo aprendido recentemente que ser ciumento é, a um só tempo, ser vaidoso. Bom, se assim o é, não sou muito de vaidades. Bebo socialmente, e devo dizer que sou bastante sociável. Fumo, o que é horrível, mas, no ritmo das intenções de quem se interessar por este anúncio, posso pensar em parar. Danço conforme a música, dependendo, evidentemente, de qual seja a música. Não sou paranoico, possessivo ou deslumbrado. Escrevo. E prometo escrever um texto por semana em homenagem a quem decidir me adquirir. Levo comigo pouca coisa e muito nada.
                      Sinceramente, não sei se essa propaganda toda é capaz de tocar quem quer que seja. Opa! Relendo o exposto, notei estar faltando algo imprescindível em uma relação comercial, o valor do produto. Sou baratinho mesmo. Na verdade, aceito qualquer coisa, afinal, se for alguma coisa, já é melhor do que nada.


Sobre recalques e medos



          Às vezes, sinto o cheiro forte do medo, e isso me causa certo estranhamento. Se ainda fosse um medo que de mim escapasse, mas o que me chega é o temor alheio, sem fundamento algum, como se viver acuado e escondido gestasse algum tipo de prazer, o que, evidentemente, não passaria de uma espécie crônica, embora não rara, de obsessão ou devaneio. Um recalque, na acepção mais comum do termo.
          Dizer com isso que o medo não me atinge seria deveras pretensioso, por certo. Sentir medo, até certo ponto, é bom. Preserva, orienta, humaniza. Sinto profundo pavor, por exemplo, de que algum ente querido se ausente antes do tempo. Por isso mesmo, o esmero com que trato meu filho é quase patológico. Já perdi muito na vida. O que me vela é a companhia de meu pequeno, que, por ser menino, sente medo mais do que qualquer um de minha idade. Ainda assim, sei que ele jamais sairia de meu lado, a despeito de qualquer ameaça, viesse de onde fosse. Isso de não fugir à luta, independente da sanguinolência do predador, é o que creio ser amor de verdade. Se, pelas andanças da vida, encontramos um ser disposto a levantar bandeira conosco, sair às ruas erguendo cartazes e gritando amor a quem quer que seja; um ser imune a balas, sejam de borracha ou não, e consciente de que existem lágrimas muito mais profundas e incômodas do que aquelas causadas por gás lacrimogênio; se encontramos esse ser, devemos preservá-lo, como um tipo de arma secreta contra qualquer um que se atrevesse a interferir na democracia traçada pelos amantes. Escolher ficar com alguém exige coragem. Amar é um ato extremamente subversivo. 
       Entanto, existe um medo que apequena, que não faz o menor sentido, que se traveste de um protecionismo infundado. É a absoluta ausência de coragem. O outro medo, que preserva, é justificável por ser baseado na vontade de permanecer vivo e, com isso, continuar lutando. Agora, isso que tenho por descoragem subsiste porque não se enfrenta o que merecia ser enfrentado. Não se manda calar, sair, desaparecer. Apenas se aceita, da forma mais passiva, reverenciando o amarelecido da tristeza, da falta de sorriso, mirando os pés do carrasco como se ali fosse o único lugar para onde se poderia caminhar. Sei que sou pequeno e limitado para muitas coisas, sobretudo as que envolvem atividades físicas, mas, se é para encarar o que me impede de alcançar felicidade, vamos para cima, apanhando sim, morrendo um pouco sim, mas, acima de tudo, lutando pelo que se acredita. Creio ser um bom manifestante, em se tratando dos destraves emocionais. Algum pseudorrevolucionário pode, ao ler este texto, enxergar por aqui alguma forma de alienação. Pode ser. Cada um luta pelo que lhe falta. O que me falta é carinho, sentimentalidade, companheirismo. Sendo assim, manifesto-me em prol disso. E não sinto o menor receio de ser atingido por qualquer projétil arremessado por um louco. Se é para sangrar, que seja em batalha, para que o sangue derramado faça lembrar vida, não morte.
              O medo, sinto-o leve, embora nunca cicatrizado. Ultimamente, sobreveio-me um profundo receio de, até o fim dos meus tempos, permanecer à mercê da solidão. Por enquanto, meu filho e minha mãe servem de amparo. Estão aqui. E quando não mais estiverem, pelas razões naturais da vida? Alguns nomes vão e vêm. Fantasmas surgem de todos os lados, deixam recados anônimos, publicam e apagam frases de efeito, mas não passam de rostos estanques em uma tela. Para ser de verdade, é preciso agredir o medo. Mas, para fazer isso, deve-se ter a certeza de que a luta é justa. Perigoso sempre será. Machucados sempre ocorrerão. Se é para levar um soco, que se faça de olhos abertos. Fechar os olhos, deixo para a hora do beijo. 

sábado, 3 de agosto de 2013


Não compreenderam. Que contradição! Sou professor e carrego comigo o dom de não ser compreendido. Mais uma vez, atiçaram-me a esperança e arrancaram-na de mim, como se nisso houvesse algum tipo de graça. Como expus o que sou, tacharam-me de irresponsável, tabagista e alcoólatra, prova incontestável de que não houve o menor esforço em me conhecer de verdade. Se mentisse sobre mim, seria, por certo, hipócrita e aproveitador. É uma pena! Terminar o que há muito começou. Terminar o que nunca começou. Terminar o que jamais começaria. Sim, sou pai, educador, divorciado, mas não é por isso que mereço ser visto como um ser algo diferente ou digno de desconfiança. Hoje, não sinto nada por ninguém. Não por não ter coração, como os tolos argumentam, mas por acreditar que, até agora, não houve quem se levantasse à minha frente, estendesse a mão cirúrgica e desfibrilasse. Talvez apareça, um dia. Talvez não. Enquanto isso, vivo como quero viver, sem satisfações maiores, a não ser àqueles que realmente se importam comigo. Não existe entorpecente pior que a solidão.