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domingo, 25 de setembro de 2016

Desculpe o transtorno, preciso falar de Michel.

        Conheci ele no Le Maurice, em Paris, de frente para o Jardin des Tuileries. Essa frase pode parecer humilde se você imaginar que esse lugar perdeu o posto de restaurante mais caro do mundo. Mas ele estava lá. Meu Deus, quando vi esse homem altivo, batendo o pezinho de neném ao ritmo de uma canção que tomava conta dos nossos olhares. Nunca vou me esquecer: a música era "Rienzi, o último dos tribunos", de Wagner. Ele sorria um sorriso devastador, enquanto lia Mein Kampf. Depois descobri que esse livro era a sua comédia favorita. Eu, por ser recatada e cristã, prefiro algo mais gospel, tipo "A divina comédia".
        E como ele era miúdo, sim, moderado em seus atos e vibrante em sua oratória. O seu olhar perturbador, naquele momento, me aplicou um golpe repentino (e ele é mestre em fazer isso,rs!). Chegou de passo leve, trazendo um prato de escargot e dizendo ousadias: "Possuí-la-ei um dia!". Um safadinho, não? Ai, como me excito com suas mesóclises!
        Começamos a namorar quando ele tinha apenas sessenta e poucos aninhos. Um bebê praticamente. E eu dezenove, já passando da hora de casar. Mas parecia que a vida começava ali. Fizemos todas as receitas existentes de chuchu no vapor. Queimamos algumas panelas de prata suíça porque ele dormia enquanto cozinhava. Escolhemos mansões sem saber se elas tinham três piscinas ou não. Fizemos uma dúzia de assessores novos. Abrimos juntos umas continhas no exterior. Falamos mal de um monte de gente do PT. Batemos altos papos com o Reinaldo Azevedo sobre ser imparcial na imprensa. Tivemos o Michelzinho, que já é líder da sua turma no colégio, depois de ter articulado o impeachment da coleguinha eleita. Tiramos a presidenta. Descobrimos o quanto detestamos as mesmas coisas, tipo pobre, Filosofia, Sociologia (menos a do Fernando), Educação Física (a barriguinha dele não nega!)...
        Um dia, ele virou presidente. Até hoje, não tem um lugar que eu vá em que alguém não diga: Fora Temer! Agora sou bela, recatada e do lar (assim, um senhor lar, né? rs). Vou levar para sempre todas essas lembranças comigo e todas as capas da Veja. Desculpa, Michel, esse desabafo sentimental. Vou voltar ao trabalho, afinal não é fácil administrar nossas 53 megapropriedades, só no Brasil. Mas, como diria meu amor, melhor mesmo é trabalhar. O trabalho liberta. Te amo, Mi.

With love,
Marcela.

sexta-feira, 22 de julho de 2016


          Há tempos, as lutas pelas liberdades individuais e coletivas trazem ao mundo, pelos métodos mais contundentes, a necessidade premente de renovação. Como em um encerramento de ciclo, sobrevém a urgência de desconstruir as estruturas até então hegemônicas e hastear bandeiras novas, recriar símbolos, desmistificar padrões, instituir mudanças. Esse processo, que obviamente não e tão natural quanto se pode imaginar, dá-se nas mais variadas instâncias - política, educação, cultura, comportamento. A arte, por exemplo, deve a nomes como Picasso, Braque, Magritte e Duchamp a ruptura dos padrões estéticos vigentes e o surgimento de técnicas e concepções que orientariam por onde os artistas das gerações seguintes poderiam trilhar. O desejo de mudança segue um rumo parecido ao observar-se o que se passa nas veredas politico-sociais, principalmente quando as pessoas dão-se conta da importância de sua participação no processo de construção do novo. Seja na Passeata dos Cem Mil, no sinistro ano de 1968, seja na Primavera Brasileira de 2013, os movimentos populares organizados mostraram aos empoderados que o conceito de Democracia, ainda que o queiram desgastado e utópico, precisa ser respeitado e, vez em quando, recuperado à custa de mobilizações e enfrentamentos.   
         As sociedades, portanto, reerguem-se sobre os escombros daquilo que, por razões as mais variadas, passa a ser considerado obsoleto e passível de desconstrução. Embora muitos achem um absurdo, é justo que as novas gerações inaugurem formas de pensar que entrem em conflito com os que vieram antes. Isso não significa, por certo, simplesmente fechar os olhos para o que já foi - creio que, nesse caso, convém estabelecer diferença entre "já foi" e "já era". Trata-se também de uma reciclagem, de um olhar diferente sobre o que tradicionalmente se fossilizou. É esse modo jovial e ousado de perceber o passado que consegue, no presente, (re)criar caminhos que, a seu tempo, serão questionados, reinventados, desconstruídos. 
             Como toda mudança gera estranhamento, os tradicionalistas de plantão, no pleno exercício de seu papel reacionário, ficam horrorizados, torcem o nariz, fazem cara feia. Talvez daí venha a gíria "careta", popularizada há muitos carnavais para referir-se a essa inaceitação do que pareça diferente e, por isso mesmo, ameaçador. 
             Ocorre que, assustadoramente, o mundo está se tornando um poço de caretices. 
            Os baluartes do conservadorismo defenderem suas crias é mais do que natural. Até cumprem um papel necessário, pois, ao gritarem palavras de ordem antigas, estimulam nos que desejam mudanças a vontade de gritar também, e mais alto. Entanto, o que se veem por aí são jovens - e mais jovens ainda - entrincheirados em suas redes sociais dispostos a atacar qualquer um que discorde da sua forma de imaginar como deveria ser o mundo perfeito.
           É realmente triste ver uma criança levantando a bandeira de uma intervenção militar como solução para os descaminhos sociais do país. Mais preocupante ainda é a forma como os oportunistas de plantão se aproveitam disso para construir palanques políticos, onde possam esbravejar e torturar nossa inteligência com discursos de ódio e discriminação, criando, assim, uma legião de seguidores cegos, como na estorinha do flautista mágico. Que o destino de seus seguidores não seja o mesmo dos ratinhos do conto de fadas! 
              
               
              
  

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Refugiados



Lá estava o menino
na praia
pálido diante da imensidão
do mar

A onda não sabia
seu nome
nem de onde vinha
sua alvura

Ele morreu assim
sem pátria
sem cor

O outro menino
longe do mar
era capitão de fragata
na porta de casa

A bala não queria
seu peito liberto
sua resistência de orixá
sua perfeição

Ele morreu assim
na pátria
sem cor