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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

apartamento 305

as mesmas horas...o ar-condicionado do carro incomoda, recém-instalado, uma novidade, o jornal no banco do passageiro, alguma notícia sem importância para os minutos, o relógio no painel, ontem as crianças no colégio encenavam uma peça, dom Quixote, os dois pequenos em papéis secundários, os moinhos, sorrio, não lembro de ter lido, mas os moinhos são conhecidos, sonhos, gigantes, são conhecidos, na próxima esquina à direita, uma algaroba, boa sombra, o número, 305, uma loja de animais, coelhos, nunca gostei de coelhos, o portão, o velho espremido numa cadeira de palha, dorme, o espasmo, sono profundo, sonho, o relojoeiro, a lente obtusa, disforme, o olho do relojoeiro é acusador, a escada, passo, lento, o azulejo esverdeado, algo na parede, a música, mas chegou o carnaval e ela não desfilou, as falhas lembram reticências, a criança de sempre chora, a televisão, tudo vem do mesmo lugar, ecos, riscos obscenos, convites para um encontro às escuras, telefones, primeiro andar, vultos, um casal, o olho mágico, alguém sabe, de tudo se sabe um pouco, aperto o passo, segundo andar, latidos, o último jogo de escadas, 305, sua a palma da mão, a campainha, de novo, outra vez, barulho de chaves, a porta semi-aberta, só um instante.

apt. 305

a puta breve, olhar sobrecarregado, ressaqueado, seca no falar, reticente, exigia o soldo, batia com a unha exagerada do indicador na penteadeira, deixa aqui o dinheiro, primeiro o dinheiro, do lado de um porta-retrato, dois jovens se beijando, foto de revista, e no canto uma três-por-quatro de criança, da idade de minha filha mais nova, sua filha?...não se espera resposta, pegou o dinheiro, ia banhar-se, Luana, o nome dado por ela na última vez, essas mulheres se ocultam por trás de nomes pomposos, Luana, não tem cara de Luana, tem cara de maria alguma coisa, francisca sei lá de quê, marcas arroxeadas no corpo, um cheiro de sol saía da toalha, não vai se banhar?, ou se banha ou nada feito, assim é mais real, o chuveiro era um cano, uma bica, a água vinha de repente, um chicote, fria, indecentemente fria, dói nos ossos, rio, não se espera reação, se incomoda que fume?, não se espera que incomode, não sou de fumar, me dá um, fumamos juntos, não sou de fumar, isso eu não ensino, riu, você é tão sério, só um pouco, tem cara de safado, longe de mim, tem que ser safado para estar aqui, sou não, tem cara, e você?, que tem?, é safada?, faço o que posso, rimos, a conversa segue por quatro ou cinco tragos, o cigarro acabou, dá vontade de fumar outro, vamos começar, como você se chama, Larissa, mudou o nome, não tem cara de Larissa, tenho cara de quê?, maria alguma coisa, como sabe?, não sei, quer um filme, uma música?, uma música, gosta dessa?, pode ser, não gostei, pode ser, gosta de quê?, deslizava as unhas pelo braço, qualquer coisa, por isso está aqui, por quê?, porque gosta de qualquer coisa, não é bem assim, você é casado, não, não diria nunca a ela, tem cara de casado, não era safado?, por isso mesmo, se fosse casada meu marido não ia buscar nada fora de casa, a garotinha da foto, minha filha, já gostei de um homem, não foi pra durar, não, as unhas nas minhas costas, e você?, que tem?, já se apaixonou?, íntimo demais para uma puta, todo mundo já se apaixonou, e hoje?, prefiro beber, rio, por quê?, amar é tão bom, beber é melhor, não acho, quer uma bebida?, quero, tem cerveja, serve, beber pra quê?, beber e amar são coisas muito parecidas, não acho, ambos entorpecem, ambos fazem dizer coisas que não seriam ditas em estado normal, ambos causam euforia e tristeza, ambos nos jogam num mundo irreal, se é assim por que prefere beber?, beber tem uma grande vantagem, qual?, no dia seguinte se está curado, você é engraçado, as unhas abrem a toalha, acaricia-me o sexo, você é inteligente, que faz da vida?, trabalho com informática, sabia que era estudado, como pode saber?, fala de um jeito esquisito, como?, fala de professor, não é pra tanto, uma vez um professor saiu comigo, divertido, era de me comparar com mulheres de livros, de falar poesia, de beber vinho, casado, quase me deixei levar, apaixonou-se?, quase, que faltou?, eu não quis, nisso não se manda, eu mando, não seja tão fria consigo mesma, é meu jeito de me defender, pra que se defender do que é bom?, não é bom depender de alguém, falo de amor, falar assim não combina com quem prefere beber, você é bem esperta, também sou estudada, é formada?, terminei o segundo grau, pretende continuar?, vou fazer faculdade de estilismo, bem sua cara.
Continua...

2 comentários:

  1. Eu sou suspeita pra falar sobre o que você é, representa e o que escreve, pois adoro tudo. Meu eterno mestre querido, ah me "segue" uahaia. bjs.

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  2. E a continução?
    Muiiiiiiiiiito perfeito!

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