Amigos leitores que por aqui já passaram

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

São tantas as experiências com as quais aprendemos e em cuja sombra nos abrigamos, sem o dolo do julgamento, sem a impraticável leveza dos que colhem, na sombra da caverna, alguma forma agridoce que amenize as dores do mundo. Um dia, amei, da forma mais tola e descabida, sem alicerce, sem o recrudescimento das horas. Não se há, pois, de condenar tal criatura, tão afastada do ninho, rasgando a garganta à procura de uma resposta.
Foi como um quebranto, um ritual de sacrifício. Surgiu casual, puro, irracional, como tudo que, por providência, chega e arrebata. Éramos uma intercessão, criaturas nutridas de uma cumplicidade assustadora, que, na mais serena das horas, criam adivinhar pensamentos, reconhecer necessidades, interpretar sorrisos. Muito mais que isso, fizemo-nos amigos imprescindíveis, desses que habitam o centro do espelho, e o reflexo estava nela, e o que me abrigava irrompia da lembrança de sua fragilidade. Da perplexidade, nasceu o verbo – conquanto houvesse a palavra, criou-se com ela a semiótica, o movediço do texto. A capacidade de reconhecer-lhe os gestos impressionava. E como era frágil, quase etíope, quando, desacreditada de si própria, procurava em mim a propulsão necessária. Encantava-me seu misto de porcelana e armadura, e vi suas asas crescerem, seu primeiro vôo, seu sorriso cálido ao beijar o sol. Percebia tudo aquilo com ares paternos, e um orgulho constante tomava-me a face, arremessava-me para um futuro pré-datado, em que aparecíamos juntos, no porta-retrato da sala de visitas, dividindo as agruras e os prazeres, até a morte chegar e descobrir que seria impossível separar-nos. E tudo se perpetuaria pelo poder de uma única fala.
Contudo, a palavra não veio. As crenças deram lugar a uma cruel inexatidão. As horas já não mais reiteravam seu nome, os livros retornaram inutilmente à estante, o ineditismo de suas formas tornou-se impreciso, pequeno. Caí em desespero por puro despreparo, pela crença infame de que tão profundo amor não haveria de ser temporão. E o era. Agora, ao reencontrá-la, não a percebo, e o que me diz é o que qualquer um diria, o que me revela é o óbvio das coisas, o que me entrega é áspero e efêmero. Talvez eu tenha cometido algum erro imperdoável, talvez, depois do vôo alçado, ela tenha descoberto que não há abismos no horizonte. O fato é que, outrora – muito outrora, quando falava sobre impossibilidades, pensava ser impossível alguém sentir o que, naquele momento, nascia em mim. Hoje, sei que não há retorno.

2 comentários:

  1. Sempre há retorno para os que querem... prefiro pensar assim do que ver tudo escapando por entre os dedos...

    se eu pudesse seria sua amiga de verdade.



    *S

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  2. Infelizmente nem sempre há retorno para algumas coisas...Por mais que queiramos muito, está fora do nosso alcance.

    Abraços.

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