São tantas as experiências com as quais aprendemos e em cuja sombra nos abrigamos, sem o dolo do julgamento, sem a impraticável leveza dos que colhem, na sombra da caverna, alguma forma agridoce que amenize as dores do mundo. Um dia, amei, da forma mais tola e descabida, sem alicerce, sem o recrudescimento das horas. Não se há, pois, de condenar tal criatura, tão afastada do ninho, rasgando a garganta à procura de uma resposta.
Foi como um quebranto, um ritual de sacrifício. Surgiu casual, puro, irracional, como tudo que, por providência, chega e arrebata. Éramos uma intercessão, criaturas nutridas de uma cumplicidade assustadora, que, na mais serena das horas, criam adivinhar pensamentos, reconhecer necessidades, interpretar sorrisos. Muito mais que isso, fizemo-nos amigos imprescindíveis, desses que habitam o centro do espelho, e o reflexo estava nela, e o que me abrigava irrompia da lembrança de sua fragilidade. Da perplexidade, nasceu o verbo – conquanto houvesse a palavra, criou-se com ela a semiótica, o movediço do texto. A capacidade de reconhecer-lhe os gestos impressionava. E como era frágil, quase etíope, quando, desacreditada de si própria, procurava em mim a propulsão necessária. Encantava-me seu misto de porcelana e armadura, e vi suas asas crescerem, seu primeiro vôo, seu sorriso cálido ao beijar o sol. Percebia tudo aquilo com ares paternos, e um orgulho constante tomava-me a face, arremessava-me para um futuro pré-datado, em que aparecíamos juntos, no porta-retrato da sala de visitas, dividindo as agruras e os prazeres, até a morte chegar e descobrir que seria impossível separar-nos. E tudo se perpetuaria pelo poder de uma única fala.
Contudo, a palavra não veio. As crenças deram lugar a uma cruel inexatidão. As horas já não mais reiteravam seu nome, os livros retornaram inutilmente à estante, o ineditismo de suas formas tornou-se impreciso, pequeno. Caí em desespero por puro despreparo, pela crença infame de que tão profundo amor não haveria de ser temporão. E o era. Agora, ao reencontrá-la, não a percebo, e o que me diz é o que qualquer um diria, o que me revela é o óbvio das coisas, o que me entrega é áspero e efêmero. Talvez eu tenha cometido algum erro imperdoável, talvez, depois do vôo alçado, ela tenha descoberto que não há abismos no horizonte. O fato é que, outrora – muito outrora, quando falava sobre impossibilidades, pensava ser impossível alguém sentir o que, naquele momento, nascia em mim. Hoje, sei que não há retorno.
Foi como um quebranto, um ritual de sacrifício. Surgiu casual, puro, irracional, como tudo que, por providência, chega e arrebata. Éramos uma intercessão, criaturas nutridas de uma cumplicidade assustadora, que, na mais serena das horas, criam adivinhar pensamentos, reconhecer necessidades, interpretar sorrisos. Muito mais que isso, fizemo-nos amigos imprescindíveis, desses que habitam o centro do espelho, e o reflexo estava nela, e o que me abrigava irrompia da lembrança de sua fragilidade. Da perplexidade, nasceu o verbo – conquanto houvesse a palavra, criou-se com ela a semiótica, o movediço do texto. A capacidade de reconhecer-lhe os gestos impressionava. E como era frágil, quase etíope, quando, desacreditada de si própria, procurava em mim a propulsão necessária. Encantava-me seu misto de porcelana e armadura, e vi suas asas crescerem, seu primeiro vôo, seu sorriso cálido ao beijar o sol. Percebia tudo aquilo com ares paternos, e um orgulho constante tomava-me a face, arremessava-me para um futuro pré-datado, em que aparecíamos juntos, no porta-retrato da sala de visitas, dividindo as agruras e os prazeres, até a morte chegar e descobrir que seria impossível separar-nos. E tudo se perpetuaria pelo poder de uma única fala.
Contudo, a palavra não veio. As crenças deram lugar a uma cruel inexatidão. As horas já não mais reiteravam seu nome, os livros retornaram inutilmente à estante, o ineditismo de suas formas tornou-se impreciso, pequeno. Caí em desespero por puro despreparo, pela crença infame de que tão profundo amor não haveria de ser temporão. E o era. Agora, ao reencontrá-la, não a percebo, e o que me diz é o que qualquer um diria, o que me revela é o óbvio das coisas, o que me entrega é áspero e efêmero. Talvez eu tenha cometido algum erro imperdoável, talvez, depois do vôo alçado, ela tenha descoberto que não há abismos no horizonte. O fato é que, outrora – muito outrora, quando falava sobre impossibilidades, pensava ser impossível alguém sentir o que, naquele momento, nascia em mim. Hoje, sei que não há retorno.
Sempre há retorno para os que querem... prefiro pensar assim do que ver tudo escapando por entre os dedos...
ResponderExcluirse eu pudesse seria sua amiga de verdade.
*S
Infelizmente nem sempre há retorno para algumas coisas...Por mais que queiramos muito, está fora do nosso alcance.
ResponderExcluirAbraços.