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domingo, 4 de agosto de 2013

Sobre recalques e medos



          Às vezes, sinto o cheiro forte do medo, e isso me causa certo estranhamento. Se ainda fosse um medo que de mim escapasse, mas o que me chega é o temor alheio, sem fundamento algum, como se viver acuado e escondido gestasse algum tipo de prazer, o que, evidentemente, não passaria de uma espécie crônica, embora não rara, de obsessão ou devaneio. Um recalque, na acepção mais comum do termo.
          Dizer com isso que o medo não me atinge seria deveras pretensioso, por certo. Sentir medo, até certo ponto, é bom. Preserva, orienta, humaniza. Sinto profundo pavor, por exemplo, de que algum ente querido se ausente antes do tempo. Por isso mesmo, o esmero com que trato meu filho é quase patológico. Já perdi muito na vida. O que me vela é a companhia de meu pequeno, que, por ser menino, sente medo mais do que qualquer um de minha idade. Ainda assim, sei que ele jamais sairia de meu lado, a despeito de qualquer ameaça, viesse de onde fosse. Isso de não fugir à luta, independente da sanguinolência do predador, é o que creio ser amor de verdade. Se, pelas andanças da vida, encontramos um ser disposto a levantar bandeira conosco, sair às ruas erguendo cartazes e gritando amor a quem quer que seja; um ser imune a balas, sejam de borracha ou não, e consciente de que existem lágrimas muito mais profundas e incômodas do que aquelas causadas por gás lacrimogênio; se encontramos esse ser, devemos preservá-lo, como um tipo de arma secreta contra qualquer um que se atrevesse a interferir na democracia traçada pelos amantes. Escolher ficar com alguém exige coragem. Amar é um ato extremamente subversivo. 
       Entanto, existe um medo que apequena, que não faz o menor sentido, que se traveste de um protecionismo infundado. É a absoluta ausência de coragem. O outro medo, que preserva, é justificável por ser baseado na vontade de permanecer vivo e, com isso, continuar lutando. Agora, isso que tenho por descoragem subsiste porque não se enfrenta o que merecia ser enfrentado. Não se manda calar, sair, desaparecer. Apenas se aceita, da forma mais passiva, reverenciando o amarelecido da tristeza, da falta de sorriso, mirando os pés do carrasco como se ali fosse o único lugar para onde se poderia caminhar. Sei que sou pequeno e limitado para muitas coisas, sobretudo as que envolvem atividades físicas, mas, se é para encarar o que me impede de alcançar felicidade, vamos para cima, apanhando sim, morrendo um pouco sim, mas, acima de tudo, lutando pelo que se acredita. Creio ser um bom manifestante, em se tratando dos destraves emocionais. Algum pseudorrevolucionário pode, ao ler este texto, enxergar por aqui alguma forma de alienação. Pode ser. Cada um luta pelo que lhe falta. O que me falta é carinho, sentimentalidade, companheirismo. Sendo assim, manifesto-me em prol disso. E não sinto o menor receio de ser atingido por qualquer projétil arremessado por um louco. Se é para sangrar, que seja em batalha, para que o sangue derramado faça lembrar vida, não morte.
              O medo, sinto-o leve, embora nunca cicatrizado. Ultimamente, sobreveio-me um profundo receio de, até o fim dos meus tempos, permanecer à mercê da solidão. Por enquanto, meu filho e minha mãe servem de amparo. Estão aqui. E quando não mais estiverem, pelas razões naturais da vida? Alguns nomes vão e vêm. Fantasmas surgem de todos os lados, deixam recados anônimos, publicam e apagam frases de efeito, mas não passam de rostos estanques em uma tela. Para ser de verdade, é preciso agredir o medo. Mas, para fazer isso, deve-se ter a certeza de que a luta é justa. Perigoso sempre será. Machucados sempre ocorrerão. Se é para levar um soco, que se faça de olhos abertos. Fechar os olhos, deixo para a hora do beijo. 

Um comentário:

  1. Que lindo texto! Parabéns...
    O medo é constante e como você mesmo abordou importante e muitas vezes é pelo medo que somos cada vez mais corajosos.
    Um grande beijo.

    isabelefarias.blogspot.com.br

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