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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Crônica a bem da solidão


          Alguns se queixam da solidão, como se não houvesse cabimento ficar sozinho neste mundo, entanto todo ser humano deveria ter, vez ou outra, alguma necessidade de isolamento. É que não sabemos estar sozinhos, não temos experiência ou tarimba suficientes para escapar das angústias criadas não pela solidão, mas pela asfixia da ausência ou da sensação de abandono.
       Na verdade, desde que inevitavelmente somos despejados do tão seguro ventre materno, estamos impelidos a perceber que não vamos ficar sozinhos no mundo – isso sem mencionar os gêmeos, que se veem acompanhados desde a fecundação do óvulo. Primeiramente, o colo materno nos induz a acreditar que nunca teremos a oportunidade de olhar para o lado sem que haja uma mão estendida, sempre disposta a colaborar com nossas peraltices. Depois os irmãos, os amigos, os colegas – sim, temos que distinguir bem coleguismo e amizade – os namorados, os amores, os cônjuges, todos esses chegam com faixas e cartazes que nos lembram todos os dias que jamais ficaremos sozinhos nesta existência.
         Certa feita, numa tarde chuvosa, estava eu a contemplar a chuva, sem paranoia, sem culpa ou remorso, apenas em atitude de admiração, sentado mansamente na área de casa. Quando olhei para o lado, qual não foi minha surpresa ao ver meu filho, sentadinho, com olhar entre desconfiado e preocupado. Perguntei a ele o que fazia ali. A resposta não podia ser mais instigante.“Não queria te ver sozinho, papai!”. Lindo, tocante, sobretudo por ter vindo de uma criança de nove anos. Mas eu queria ficar sozinho. O que quero dizer é que solidão não é doença ou prenúncio de suicídio; ao contrário, pode ser apenas um momento de silêncio, tão raro em tempos de paredões de som ou carros com potência sonora capaz de encabular o mais estridente trovão.
          Qualquer forma de desfavorecer a solidão não passa de puro despeito, ou medo, ou ignorância mesmo. Os que gostam de apreciar a arte, por exemplo, sabem dar valor a um bom e produtivo momento consigo mesmo. Por mais que se vá ao teatro ou ao cinema com um grupo de amigos, se o objetivo é mesmo considerar o espetáculo ou curtir o filme, assim que as luzes apagam e tudo principia, a relação que se tem entre quem vê e o que é visto é de solidão pura, tanto que sequer lembramos que há alguém ao nosso lado enquanto o drama nos prende, nos encaminha a reflexões e a belezas. Será que existe coisa melhor do que ler um bom texto, tentar decifrá-lo, mergulhar nele, resgatá-lo e trazê-lo para nós – sempre entendi a leitura como uma espécie de desapropriação, como quem retoma a posse de um terreno de ocupação. Ler é bom, mas muita gente não gosta. O motivo é simples: ler exige solidão. Se não sabemos como agir quando estamos sozinhos, jamais seremos bons leitores.
              De tanto buscarmos companhia, esquecemos as maravilhas e vantagens da doce e nobre solidão, a mesma que acalentou centenas de poetas, acompanhou outros tantos profetas em peregrinações pelos desertos da alma, encantou pintores para fazer brotar do branco a mais íntima beleza...Sem a solidão, não haveria arte, nem estrelas – só miramos estrelas quando estamos sozinhos – nem soluções para os corações estraçalhados, nem autoconfiança, nem conversas diante do espelho. Se estamos sozinhos, alvíssaras, é tempo de repensar as coisas ou de coisificar o pensamento. Lancemos, pois, mil vivas à solidão. Sem ela, por certo, jamais teria escrito tal texto.

5 comentários:

  1. Isso é verdade!!!

    Pensando bem, nao ha nada melhor do que ter sua propria companhia, acompanhada da solidão,...srssrsrsrs


    Lilian Cardoso

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  2. Ah!, solidão amiga. Andamos por ruas sem fim de mãos dadas e foi sempre uma companhia agradável, dessas que respeitam seu silêncio quando o sol acorda, que te deixam escutar uma música até o fim sem pensar em mais nada e dessas que te deixam ler os textos do Sinval e os contos da Clarice.

    -sorriso.


    *S

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  3. Ela é tão necessária quanto qualquer outro sentimento...

    Abraços.

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  4. Necessária sim, às vezes.

    Ótima crônica!

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  5. O texto é incrível, realista .. adorei e confesso: adoro a minha solidão, não há compania melhor do que a minha.

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