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domingo, 1 de setembro de 2013

o que sou agora...




          O que sou agora, senão a espera? de tempos outros, apequenado, sou traço servil em escrituras inconvenientes, comigo os pesos. Se trajo a pretidão das noites, não por modismos, há um rescaldo, enegrecimento do que proveio dos vãos secretos. Final de tardes, céus de carne, cada vivente a um sol, o mar clareia, tão pacífico. O mar, o mesmo dos primeiros olhos, estranharia se me viesse de dentro. De pequeno, desmentiria as horas, que seriam espontâneas e fartas, a despeito da carreira agalopada dos dias. Cinco ou seis cercavam-me de infância, sem a cobrança dos tantos que viriam. Os livros em ciranda amansavam a brabeza dos ponteiros, que me vêm como placas de advertência, alertando das curvas sinuantes. Meus ombros doem, se anunciassem as primeiras chuvas. Dia em que vim, chovia. E chovo ainda. Não mais por fora. Uso palavras até que sequem completamente. O sumo de algo está nelas. Colhê-las, desmanchá-las, morrê-las, acreditá-las, o tempo as desiste. E o acaso as resiste, assim como faz persistir as demandas. O homem, o que lida com os epitáfios, este não mais, a não ser na estranheza. Falta-me a intimidade das noites, o acalanto frouxo da palavra, mesmo dita por obrigação, preferível ao silêncio. Amo. Desniveladamente. Diversos amores. Maria, João. Um por tanto, outro por intenso. A um digo quase pouco; a outro, quase nada. Que hoje é de dizer, daí o motivo de palavras tão circulantes, sem forma, embora geométricas. De quanto tempo precisamos para principiar amor? vidas, meses, átimos?  e isso, em tropel invasor que me desafia a insônia, penetrando como facho de primeiro sol pelas frestas da alma; isso que tange sonoro pela anunciação de algo, em pele, morto e ressuscitado; isso que me nega os acasos e me compartilha futuros; não seria, pois, isso a mais urgente forma de amor? se digo, por razão vária, precisar de alguém, em indefinição, é que no livro de semas que inabilidosamente escrevo, a penas, todos os dias, um dos nomes que escolhi para o ente que amo foi esse, alguém, a essencialidade do que é ser, do que é sentir. Em páginas perdidas de calendário, sentimentalidades, se as atribuí forma e conteúdo, não as recebi em mesmo envelope, lacrado e perfumado. Lançar mão das palavras sem tê-las de volta, árvore que se derruba sem a contrapartida da semente, é o que me contém. E se a palavra acabar, não por carência das vinhas, mas por desleixo de quem deixara de adubar o solo? de tantas tessituras, a que me fala é a mesma que invade os olhos-de-abismo do enigma que escolhi decifrar. Escrevo agora, e por tempos a fio, a quatro mãos, duas das quais invisíveis. O que sou agora, senão desejo? se quero ser dessas mãos de vento, há de se abrir, a golpes ferozes, trilha em mata densa. E que me seja mais que bom-dia, que me seja mais que um filho no ventre do futuro. Que me seja indecente e leal, contador de causos antigos e inventador de coisas que cheguem da porta da frente, mimetizador de destinos e desfibrilador de sonhos. Os ossos estalam, vez em quando. Uma secreção amarronzada acompanha o pigarro. O dia em que, impelido, dei-me à sina do reencontro, comi manga verde com sal e infância, passeei descalço em praia de falésias e céu avermelhado, ouvi a primeira palavra de meu filho, palito-sem-paliteiro. O que sou agora? a todos os instantes em que aprendo a lida de amar, chamo-lhes felicidade. Sou, certa forma, feliz. Melhor estar. Agora sou.

2 comentários:

  1. Talvez as cartas perfumadas chegaram, mas os odores se estranham em narinas e coração desfaçados em névoas.

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