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domingo, 29 de setembro de 2013

O menino que catava nuvens



         Desde sempre, o pequeno perdia-se mirando o céu, imaginando formas nas nuvens. Tanta nuvem, que perfeição. Bicho, gente. Numa dessas, apareceu um tigre-de-bengala, presas gigantescas, perseguindo uma lebrinha inocente, pega-não-pega sem fim, e nunca se viram garras tão sanguinárias. Quando deu de montar no dragão algodoado, o céu transformou-se em tela de cinema. Já viu nuvem tão grande, de não se ter quase nada do azul, que preferiu nem arriscar forma qualquer. Tapete, parecia tapete, ou rabo de gato persa. 
            Finalzinho de tarde, vermelho de dar gosto, e ele lá, catando nuvens com um galho encantado de carrapateira. Mas, como por encanto, o céu virou clareira. Nuvem mesmo, só uma, miúda demais, disforme, mais parecia investigar quem de baixo insistia na vigília. O menino, um tanto chateado, jogou de lado o galho, que encanto já não tinha, esperançoso de um céu diferente no dia seguinte. 
            Demorou até a tardinha do outro dia espreguiçar-se nas horas. O céu estava com cheiro de nuvem. Correu o molequinho para o quintal, sem galho, sem nada, só a vontade de imaginar quais desenhos estariam ali suspensos. E nada. O céu não passava de uma imensidão azul, uma abóbada fria, um tecido sem pintura. Apenas uma nuvenzinha passeava por ali, despretensiosa, nanica, sem graça. Dessa vez, o menino demorou-se um pouco, tentou dar forma àquela nuvem. Cachorrinho poodle. Bicho-da-seda. Bobagens. Onde estavam os tigres e os dragões?  Tentaria novamente no outro dia. 
            Mais uma tarde de puro azulado no céu. O menino chegou a pensar que as nuvens deram de fazer greve. Menos ela, a nuvenzinha, que descrevia, como passeasse, seu caminho sem pressa. Nuvem besta. Pequena, teimosa. Esticando-se toda, até parecia um sorriso, desses de canto de boca. Nuvem preguiçosa. Se ao menos desse de ser mais ligeira, poderia ser a primeira bala disparada no campo de batalha. Nem isso. Se fosse um pouco maior, poderia ser jipe, dos de guerra. Mas era nuvem atarracada, baratinha albina. 
             Mais uma tarde, e o menino desabou para o quintal. Agora o céu já não mais espantava por seu deserto. Nuvens havia, e muitas, de todas as espécies. Ele alegrou-se. Mas, mirando a imensidão, deu por falta de algo. Correndo vista de ponta a ponta, viu que a nuvenzinha de todas as tardes não mais por ali estava. Nuvenzinha besta. Parecia barba de avô. Nuvenzinha que podia ter feito greve, como as suas companheiras, mas decidiu riscar céu, sem medo. E o menino, que por dias sentiu falta das grandes nuvens e seus mirabolantes desenhos, guardou o mistério da ausência de uma nuvenzinha sem forma. Outros dias, o menino estaria pelo quintal catando nuvens. Mas antes de qualquer coisa, como por hábito, perscrutaria o céu de ponta a ponta à procura daquela nuvenzinha, tão pequena perto das outras, tão besta. Tão maior agora do que o próprio firmamento. 

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