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terça-feira, 23 de julho de 2013

Crônica a bem do destino



           Alguém aí acredita em destino? Ao avaliar os fatos do ponto de vista unicamente academicista, o acaso não passa de atitudes que, por insistência do ser interessado, convergem para a realização de algo há muito desejado. Nada de sublime, por certo. Apenas insistência. Mas, estranhamente, a despeito da frieza que me vem por hábito, prefiro não pensar assim. Esse tal destino existe sim e é de uma molecagem de ébrio, quase invenção de cearense. 
       Se imaginássemos uma situação aparentemente simples, como enredo de novela das oito, e acrescentássemos algumas pitadas de ficcionalidade, teríamos um bom exemplo de como o acaso pode ser decisivo na vida de alguém. Vejamos. A começar, um encontro despretensioso em um lugar em que se esperaria encontrar quem quer que fosse, menos quem por ali esperaria não ser encontrado. Entende? Continuemos. O reencontro é inevitável. Como perdessem o costume das conversas mais longas, as palavras principiam de maneira tímida. Entanto, em poucas frases ditas ou reditas, o íntimo aflora, e algo novo se refaz misteriosamente. Assim, o tempo se desfaz e as vozes se confundem, que muito há para ser dito, e o palavreado flui desarvoradamente, como se desacreditassem de uma próxima vez, como se estivessem diante da derradeira confissão. Sentam-se um ao lado do outro. Tocam-se levemente, testando a veracidade do momento. Ampliam-se, tornam-se longínquos, teorizam e desacreditam. As boas falas dos melodramas cinematográficos, as canções de apego, o Marxismo, o exoterismo, Freud e suas insônias, nada suprime o verdadeiro motivo daquele instante: o acaso. 
             Motivado pelas horas avermelhadas impostas pelas solidão, ele crê em toda a poesia estirada sobre aquele momento. É noite, como tinha que ser. O que mais lhe apetece são os olhos da moça. Olhos de xilogravura. Olhos de sertão, de noite sem nuvens. Olhos de boi, manhãzinha cedo, sorvendo da folha única um resto de orvalho. Esses mesmos olhos veem-no como antípoda. Ela não é de ter com os poetas. Pelo contrário, é uma revolucionária, apesar da feição de vidro. Seus pensamentos são livres, tremulam, impregnam-se de imagens consolidadas, presas a instituições teóricas que lhe fazem, naturalmente, desacreditar das versões pouco originais do amor. Nada que venha dele destaca-se. Por isso mesmo, desperta-se nela uma sensação de inutilidade intelectual, como se ali vasculhasse em todos os bons teóricos um silogismo que fosse para explicar a criatura que se punha à sua frente. Ele é uma aporia. 
             Depois de tudo, o nada. A despedida. Com ela, promessas de uma outra vez. A partir dali, o que viesse passaria a ser meticulosamente planejado. Mas o início, esse nasceu de uma circunstância inexplicável, fruto do mais puro e arrebatador acaso. O destino, por mais improvável que pareça, existe. É que passa despercebido no percurso das coisas. Mas o princípio está nele. 
         Talvez sobrevenha, ao final desta leitura, a curiosidade de saber quem são esses dois seres originalmente opostos que, por uma peraltice do acaso, optaram pela contiguidade. E não seriam quaisquer dois? Entendo que o leitor queira nomes. Francisco e Maria. Nomes bem simples, simbolizantes do que há de mais comum. É favor recordar que o destino, por muitas vezes, aninha-se na simplicidade. Talvez por isso o acaso seja tão desacreditado. Por ser simples demais. 

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