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quarta-feira, 11 de julho de 2012

O surrealismo das infâncias (o mar e a chuva)


           
           A pequena correu em direção ao mar, mergulharia se o pai tão prontamente não interviesse. A chuva morna caía indolente. Que horror essa menina, desatinada mar adentro. E a pobrinha apenas tentava justificar a inconsequência da maneira mais inocente possível. Está chovendo, está chovendo. Entraria na água para escapar da chuva? Pensamento sem lógica alguma, essa garotinha está cada vez mais avoada, na idade dela o Alvinho já dava de tramar algumas maliciazinhas. 
           As críticas advinham principalmente da avó materna. Criara onze filhos com o orgulho de, até aquela altura, não ter perdido um que fosse. Todos vivos e muito bem vivos, os mais velhos já com netos. E as palavras da avó repercutiam no grupo. Tios e primos cochichavam sem o devido zelo de ocultar os comentários. A coitadinha deve ser retardada. Os primos mais velhos contorciam a face e balbuciavam palavras disformes, como para representar a incapacidade mental da garotinha. Mesmo alguns que nada tinham a ver com a conversa davam de olho, apontavam, despendiam todas as piedades do mundo direcionadas à pobre criatura que, na concepção deles, não merecia um destino tão trágico. Afinal, era uma criança, que Deus tenha piedade.  Quantos olhos desfigurariam a menina que tentou entrar no mar para escapar da chuva? 
         Ao perceber os olhares entre piedade e acusação lançados sobre a filha, o pai pegou a menina no colo e seguiu a caminhar calmamente em direção ao mar. A chuva apertava, e o vento fazia a areia bater com força no rosto, nas costas. A filha tem a quem puxar, é um louco, debaixo de um aguaceiro desses. Com os pés espumados das ondas que se estiravam, o pai pôs a pequena no chão, abaixou-se para que seus olhos tomassem os dela. Apenas sorriu, e ela entendeu que não era a única a acreditar em absurdos. 
        De mãos entrelaçadas, os dois caíram na água, que estava fria. Ouviam-se as gargalhadas ensandecidas daqueles loucos, pai e filha. Parecia divertido fugir da chuva mergulhando no mar. Os olhares, antes inquiridores, vagavam curiosos por aquele cenário de profunda alegria. Aos poucos, outros pais  experimentariam levar seus filhos para o mar, fugindo da chuva, e perceberiam a alegria de estar junto e o querer bem necessário à convivência. Apenas a avó materna permaneceria na barraca, sozinha e abrigada da chuva. Alguns dariam de olho e apontariam a velha. A pobre bem que devia estar numa casa de repouso. 

Um comentário:

  1. Sinval,Bem sua cara, Onde tira tanta imaginação e realidade parabéns pelo texto.!

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