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segunda-feira, 7 de março de 2011


E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar estático da aurora.
Vinícius de Moraes




          É assim, nas intempéries da vida, que se descobrem veredas no resguardo da caatinga, das que fazem trilheiros sorrir pelo natural da saída ou da reentrança. Ainda que não seja um escape, que surja com essa esperança: a própria saída não é tão importante quanto a consciência de que há uma saída. O que nos resta é buscar algo por preenchimento, como um recém-nascido à procura do olho esquivante da mãe. E o que nos completa afinal? A idade aprisonada em um calabouço de memórias vãs, a juventude entorpecida de momentos ou a vaidade acolhida por um mundo de coisas e formas?
          E se voz houvesse? Não é grito o que me apetece; é fome, é desejo, é a ânsia do não-querer – raiz de tudo que nos causa dor. Não quero e desejo mais. E esse não-querer é limitação. Medimos com exatidão o que queremos, ao passo que o não-querer é imensurável. Agora, se é para fugir, que se fuja! Mas o diabo é que, ao contrário do que os sonhadores pensam – ah, sonhadores, sede o prisma do mundo! – não somos nós a perseguir os sonhos, e sim estes que nos acuam.
          Quem mandou conceber sonhos, diriam os menos instruídos em assuntos oníricos. Quem dera que fosse simples assim. Enojo-me com a bondade dos que não conhecem a vida, que esses são puros demais e tanta pureza soa-me imperdoável, tão ártica quanto um reclame de margarina. Costumo vir a público pela torpeza dos céticos. Quedo-me diante desse temeroso ceticismo, que é feito jaula a nos impor uma inútil sensação de proteção. Não são fortalezas o que erguemos, são antes prédios tumulares, mausoléus de esperanças, tolas sobreviventes.
           É na perda, no não-querer, no sonho acre, que se revela a agonia humana. Fiquemos, pois, com a credulidade, que a paz derradeira virá, cairá do infinito em plumas alvidoces, ao som retorcido de incontáveis trombetas. Quiçá surgirá da própria ignorância, da filosofia dos que não têm teto nem contralto, que vivem em perfeito sonambulismo, escafandristas da iniqüidade. Talvez se mostre na intelectualidade viril dos teóricos de plantão, que racionalizam as sombras. De que tanto me maldigo? Do amor, esse não-querer perdido no inútil vão da autopiedade.




Um comentário:

  1. Na minha opinião, ceticismo é como uma proteção para aqueles que, de alguma forma, são sensíveis ao mundo, pois, já dizia o Renato Russo, "Ter bondade é ter coragem". Os bons e puros lutam sem medo pelos sonhos...Sonhos não são reais? A realidade é simples, frágil, mas a imaginação é complexa, pesada, e esta só os que tem coragem enfrentam.

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