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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O amor vem aos domingos

I.

Há quem busque amar em desespero,
quem tenha, a cada passo,
uma lupa precisa a vasculhar qualquer mínima fenda na solidão.
Esse náufrago,
preocupado em esfregar gravetos à baila de fogo,
por vezes esquece o navio que passa ao longe.
O que se faz é aprender a amar essa busca frenética
pelo graal de um vívido e longevo amor.
Ama-se o meio e não o fim.
Que antimaquiavelismo tolo esse que ressurge a cada instante em que,
por pura teimosia,
se acrescenta algo na lista de imprescindíveis necessidades amorosas.
Queremos alguém educado e, se o temos,
não nos apetece a mera cortesia:
é preciso ser também inteligente.
Caso tenhamos a sorte de acarearmos algum prêmio Nobel de Física Nuclear,
não nos damos por satisfeitos, pois há de ser também bom dançarino.
Temos Fred Astaire, queremos Napoleão;
temos Gandhi, queremos Hitler;
temos Fidel, queremos Guevara.

II.

Dádiva seria se me permitissem encontrar a mulher domingueira,
a que surge de estalo,
no breve e poético crepúsculo dominical
– qual solstício, uma aurora boreal, uma nevasca no Cariri.
Quereria a mulher que me livrasse dos domingos,
que me salvasse de todas as horas inúteis
imputadas cruelmente aos solitários.
Receberia com respeito seus mimos,
suas carícias desprovidas daquele ar maquinal de interesseira,
seus olhares livres da burocracia livresca dos romances de Dummas.
Seria antes um Eça, o bom e inabalável Eça,
ou Machado em seus desatinos mais lancinantes.
Alguém que me chegasse às seis, de tal forma lívida,
que me faria crer estar ali desde o dia anterior.
Que durma comigo sem sequer tocar-lhe a face,
que me pressinta as ausências,
que falseie eloqüências,
que se vista de demências, vez ou outra, a quatro paredes.
A verdadeira mulher é o que busco, a que surge aos domingos,
descomprometida das crenças, dos amuletos;
a que apenas chega,
instala-se,
ara,
restaura
e vai embora,
não sem antes plantar bandeirola.
As mulheres dos sábados que me perdoem,
mas as do domingo são irresistíveis,
e enfeitam-se sem pudores,
rendem oferendas,
agradecem pelos obscuros caminhos da alma,
acariciam como ninguém.
A qualquer dia da semana, pode irromper uma paixão,
mas somente aos domingos explode o amor,
desses de contar aos netos,
de hastear brasões,
de acreditar em mitos e lendas.

III.

Que venha a mulher de domingo,
sem julgar nações,
sem discutir literatura,
sem gaguejar ao mínimo sinal do copo esvaziado.
Que apenas venha e escute.
Que simplesmente esteja.
Que me faça crer no desvario.
Que substantive.
Que regue.
Permita-me sonhar com essa mulher,
que destoa por ser a composição de todas as outras,
que apaga o céu para gravar nele
seus olhos de criança.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Meu Deus!
    Sinto orgulho desse meu professor.
    Que poema lindo. Meus Parabéns, Sinval!
    Seu blog é um primor...
    Bárbara Queiroz.

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  3. O carteiro não trabalha aos domingos.Cartas perfumadas não podem chegar pelo correio,se seus olhos já se distraem com a anunciação da carta perfumada semanal, como pode platonizar uma mulher domigueira, do fado em descanso,do teu corpo como aconchego?A distração do silêncio, da carta não respondida é como um domingo sem a mulher domigueira: TV, solidão,prenúncio da segunda e fuga das obviedades do amor. Com todo respeito as suas palavras adjetivadas de culto ao amor romântico "casinha branca" numa vida turbilhão...as respostas não dadas maltrata a cada compasso das horas os dias e coração, até mesmo no domingo, esse anti-dia e esse coração, adormecido pelo silêncio do tempo velado.

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