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sábado, 16 de novembro de 2013



"Para tão longo amor, tão curta a vida."
Camões


          A vida nos conferiu a dádiva do reencontro. Instruímo-nos pelo tempo, pela espera, pela fé em algo distante e amorfo, mas orientador de crenças, justificador de desejos, que é assim, a estender a mão, a forma mais inteiriça de súplica. Se tudo começou por um gesto de amor, se a própria existência assim se fez, não é diferente o que em nós irrompeu, como a construção do mundo, nas mesmas dores e essências da criação. Estamos pelo que se fez desse universo erguido sobre as distâncias. Somos pelo que se apresenta até onde as vistas arpoam, caminhos longevos e sinuosos, que assim são todas as trilhas. 
          O amor está nela há mais tempo, não há dúvidas, pelas razões mais inesperadas, que era apenas uma menina, mais sustentada pela clarividência do olhar atento do que pela gana de permanecer de pé. Encantou-se comigo de primeira. Será verdade? Precisamente eu, o ser mais insípido da face da terra, sem braços firmes, de pernas bambeadas de cansaço, arfante do cigarro, dependente inveterado das gentes que me cercam, distante, pálido, insone. Por que eu? A própria esperança embrionada em uma garotinha de ares interioranos e trejeitos formais atraída por um professor simplório e alheio a todo o plano que começara a se desenhar a partir daquele momento. Entanto, apesar de as imagens desse tempo se distanciarem - se fossem impressionistas, haveria mais nitidez pela distância, mas as tenho surrealistas - vejo-a ao lado do namoradinho de escola, tão combinados, sem nada a pesar-lhes nos bolsos, a cabeça despida de comparações, que eram os primeiros exemplares de um mundo que, até então, não se abrira. 
          O ano acabou, e a primeira distância veio. Passei tempo sem vê-la e confesso que não mais trazia comigo qualquer vestígio de sua presença. Porém, anos depois, ela retorna, carregada ainda do mesmo amor, talvez movida a duras penas por ele. Mulher longe das imagens colegiais, apesar do ar ainda maquinal de menina desamparada, mas era inteiriça agora, despertava atenções, desejos, malícias. Em mim, revelo, o que se deu foi curiosidade. O que faria essa menina por ali? Descobri depois que ela estava naquele lugar por mim. Será verdade? Justamente eu, desmerecedor de qualquer tipo de amparo, professor de tantos, aluno de poucos, fugidio, arisco, vazio como a pedra que educa, iluminado pelo sol das aspirinas, sempre de supermercado em supermercado a vasculhar cada prateleira em busca de felicidade. Dessa vez, aproximamos-nos, embora distância ainda houvesse. Fisicamente, estávamos próximos, mas as circunstâncias do tempo nos separavam. Tanto o tal tempo fez, que findou, mais uma vez, por nos separar, e eu crente que fosse de vez. A segunda distância veio.
             Vez em sempre, apanhava-me vasculhando sua vida. Sentia-me tolo, ameninado. Admirava-a de longe, sem o menor contato que fosse, receoso que era de modificar o que já estaria certo em seu caminho. Tive duas oportunidades e não aproveitei. A vida jamais lançaria mão de uma terceira margem. E aconteceu, por pura casualidade, outra vez nós dois em meio a tantos, próximos e ainda distantes. Deixei que ela passasse por mim duas vezes, para certificar-me de que os caminhos estavam livres. Reencontrei-a então pela terceira vez. Será verdade? Finalmente eu, que tanto esperei encontrar um lugar que me fosse comum, uma bússola que apontasse na direção de um futuro promissor e feliz, um amparo de quem nunca, por hipótese alguma, me soltaria a mão, uma espreguiçadeira à beira-mar que gritasse serenidade pela certeza de que mentiras e hipocrisias não mais haveria. Dessa vez, não mais nos separamos. Decidimos confiar nisso que os mais exaltados chamariam destino. Sim, creio que essa história não começou a ser escrita de agora. Estava escrita antes mesmo de se inventar a razão da existência. 
                 O próximo parágrafo é exclusivamente para ela. 
             Minha vida, amo-a sem imprecisões, de forma pura e independente. Em você, descobri passo firme, liberdade de ser o que sou e o que não poderia ser. A paz reside em seu sorriso, mais que simples sorriso, a medição de todos os sorrisos. Sua força, que fortaleza essa! Como braços tão pequenos e mansos podem sustentar tantas vidas?  Se seus braços faltarem, tantos cairão. Quanto orgulho sinto dessa minha pequena, minha morena de todas as horas, que cabe tão bem no meu abraço, que me acolhe de forma tão solidária. O que dizer senão da imensa alegria de tê-la a pintar minha casa com as tintas da esperança. Não, amor, não vou impedi-la de fazer nada. Apenas caminharei ao seu lado, sem qualquer resquício de distância, para que eu possa, aos poucos, retribuir o que foi feito por mim. De seus olhos quais enigmas, desenhos de Nazca, renasci. Para toda a eternidade, estarei aqui. Exatamente aqui, onde sempre estive. E a terceira distância, depois de crisálida, metamorfoseou-se em amor. 
          

2 comentários:

  1. simplizmente lindo!!! fico muito feliz por voce ter encontrado um amor, que te faça feliz. Voce merece muito, grande professor, admiiro muito voce e seus textos!!!

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