Amigos leitores que por aqui já passaram

domingo, 10 de abril de 2011

          Vez em quando, as coisas acabam. Bem que nos permitimos uma cegueira temporária, uma providencial perda de sentidos que, por falta de originalidade, definimos como esperança. Mas as coisas acabam assim mesmo. As viagens mais intensas, a ostentação mais extasiante, as noites de magazines e ilhas, tudo isso é artifício, fogo de artifício, que encanta no exato instante em que também se esvai  e se torna lembrança esvanecida no céu. As coisas simplesmente acabam. E o encantamento? O folhetinesco encantamento pelo outro, que se tornou outrora? Que fique sempre para outra hora, pois o que é do homem o bicho não come! E o pior é que come, devora, macera, ainda vivo, exangue. Que bom que as coisas acabam. Mesmo o espelho consentido, o que nos encontra pela manhã e nos revela a nítida face do tempo; mesmo a mão sempre estendida por puro desvelo, por simples devoção, sem esperar nada em troca, nem mesmo essa mão íntima, que todos gostariam de ter com ela, que todos dariam uma das mãos em troca dessa mão doce, humilde, que lhes apontasse as certezas do mundo, qual anjo ou enigma; mesmo as fotos passadas, há muito destituídas de sonhos, embotadas de recordações tão distantes, que já nem merecem o nome de saudade. As coisas inutilmente acabam. Se acabam, alvíssaras! É tempo de mudança. As criaturas humanas não conseguem, em princípio, entender o poder da mudança. É tão necessária quanto uma noite de chuva ou um dia de sol. Se ficamos para trás, paciência, repitamos o processo de uma forma diferente; não trato de perseguir sonhos, porque não me vocacionei para tanto. Quero dizer que é preciso lançar olhares novos sobre velhas coisas. Mesmo assim, algumas coisas não resistem e acabam. Aos que almejam a uma vida tradicional, grinaldas e fotos, filhos e televisão, quintais e frango de domingo, a esses desejo a filosofal paciência dos conformados, que a vida é isso tudo e não é, que a felicidade tem sabor de ópio ou de frango, depende de quem chega ou de quem parte, e é natural que sejamos vermelhos em terra de vermelhos ou azuis em terra de azuis; agora, quem tem coragem de ser preto-e-branco? Não mais terei com o passado no que escrevo, que o passado é um último palito de fósforos na caixa, melhor deixá-lo por lá, guardado, sem muita pretensão; não se sabe quando vamos precisar do passado; normalmente ocorre quando o futuro não nos encontra na hora aprazada e o presente nos engana com suas promessas de sorriso fácil; a melhor coisa que existe é um passado que não se fecha para nós. E a pior coisa do mundo é que as coisas acabam.   

2 comentários:

  1. Será mesmo que "TUDO" acaba?
    Tenho minhas traiçoeiras dúvidas...

    ResponderExcluir
  2. Este, quando terminei de ler, me fez lembrar outros textos que gosto e me chamam atenção, tais como (Honrando dívidas, Sobre sonhos e passarinhos, Reclames, Desvelo, Expiação, Substância, Lembranças e esquecimentos, entre outros) me fez lembrar do tempo em que me perdia nas "asas furta-cores" dos sonhos de outrora, que não me acrescentavam em nada (tardiamente chego a esta conclusão, diga-se de passagem) hoje, mesmo com minhas limitações, vindas de uma adolescência repleta de concepções e ideais "novelísticos" ou melhor, sem fundamento algum, aos poucos reitero a importância de sermos preto-e-branco ao invés de colecionarmos as esperanças inatingíveis, que voam por algum lugar um pouco distante de minha realidade. Um dia... chegarei lá, quem sabe se eu der um passo à frente, como dizem "os grandes" por aí... enquanto isso, me perco em teus devaneios, que me fazem viajar literalmente na busca de textos realmente instigantes, traiçoeiros... irônicos!

    Abraços,

    Alana.

    ResponderExcluir