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domingo, 13 de fevereiro de 2011

Sobre sonhos e passarinhos


          Alguns me atribuem a pecha de pessimista, embora sem muito merecimento. Ocorre que não sei tratar de amenidades ou coisas do gênero. Talvez isso enrijeça meu texto ao ponto de me confundirem com um ser algo gélido, desalmado ou avesso a qualquer tema que desperte no leitor algum suspiro melodramático. Entanto, essa criogenia sentimental que me impõem tem lá seu fundamento. É que não consigo – até tento! – ver razão em certos devaneios líricos sem direcionamento. Meu universo, desde que me entendo como parte dele, sempre foi ensimesmado, trancafiado em uma concha de desconfianças e afastamentos, e devo minha sobrevivência a isso.
         Agora, como escrever é, sobretudo, exercitar a nobre dádiva da mitomania, bem que eu poderia, em tempos de goteiras amorosas, suscitar sonhos e alavancar esperanças, mesmo em um mundo de portais eletrônicos que nos inebriam com as fantásticas promessas de amizades eternas, pelo menos até o contratempo de um provedor interrompido, uma ingrata queda de energia a macular a santa paz do HD ou um infeliz apagão bem no meio da tão esperada declaração de amor via MSN. Se assim é preciso para aplacar a ira dos que me cobram textos mais lúdicos, vamos aos sonhos, que neles habitamos, sonolentos por certo, mas decididos a erigir por ali nossas melhores escolhas. Para uma análise abalizada do que é o universo onírico e, principalmente, por não ser um perito no assunto – afinal, raramente recorro a sonhos para saber o que vou fazer da vida – procurei o alento de todos os que buscam amainar a ignorância: o dicionário. De acordo com o providencial Aurélio, sonhar é devanear, pensar de maneira vaga, distrair-se. Essa não deve ser a idéia de sonho que as pessoas gostariam de ter. Se disser que alguém é sonhador, isso deverá soar como um elogio, não como uma forma de mostrar a incapacidade de atenção ou concentração do indivíduo. Definitivamente, essa acepção está descartada.
          Segundo consta nos autos denotativos, sonhar é também sinônimo de desejar ardentemente. Um tanto ambíguo para algumas situações. Eu sonhei com você, nessa perspectiva, seria uma frase bem perigosa ou, no mínimo, reveladora. Desejo você ardentemente seria mais direto e, diga-se de passagem, bem mais sensual, o que, dependendo da ocasião, seria mais apropriado. Se somos todos sonhadores, então existe uma espécie de instinto primitivo que nos força a querer as coisas, mas não apenas pelas simples vontade de ter, senão por desejar com ardência, com paixão, ao ponto de cometer qualquer despautério para se ter a coisa desejada. Antes que me esqueça, sonhar é também sinônimo de suspeitar. Adorei isso. Sonhei que você me amava, mas não amava, pois sonhar é suspeitar, e uma suspeita não passa de uma suposição, uma especulação, uma projeção infundada com base em superficialidades, uma afirmação sem provas contundentes.
          Os crédulos façam-me o favor de responder se é direito realizar sonhos, já que é tão bom sonhá-los, acarinhá-los, alimentá-los como se fossem de estimação. É como se encontrássemos um passarinho com a asa quebrada, levássemos o bichinho para casa, cuidássemos dele por um bom tempo e, depois de habituados ao seu conforto, tivéssemos que devolvê-lo à natureza. Faríamos isso sem nenhum remorso? Quanto de nós o passarinho levaria consigo? Quem cuidaria de nossa asa quebrada? São perguntas difíceis de responder, principalmente se nos dedicarmos a explorar cavernas ininteligíveis o bastante para nos fazer esquecer que devemos ter planos, que sem eles estamos condenados à clausura da estagnação, e precisamos realizá-los, pois a vida nos estabelece prazos para isso. Quanto aos sonhos, não há razão para deixá-los, a não ser que se tornem obsessões. A propósito, eu pensaria duas vezes antes de levar o passarinho para casa.

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