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domingo, 28 de novembro de 2010

Reticências


          Você acredita em coisas predestinadas, traçadas meticulosamente antes de qualquer balbucio humano no planeta, ou mesmo antes de qualquer conceito de planeta que pudéssemos ter? Por certo, isso não é uma verdade universal. Entanto, permito-me corromper as algemas do tempo, das horas, e criar uma nova realidade, da qual eu faria parte se não fossem os tortuosos caminhos da existência. De qualquer forma, recriar a vida é a vantagem mais dolorosa do ato de escrever, portanto usufruo dela para fazer o que deveria ter feito, como estava previsto sei lá onde.
          Que tal flores, para começar? Um irrepreensível buquê de rosas vermelhas, no meio da noite. Talvez um pouco de chuva, não muita, apenas o suficiente para criar um clima noir. E o presente? Não se pode chegar ao aniversário de alguém sem presente, principalmente por se tratar de quem se trata. Que presente ela gostaria de receber? Não faço a mínima ideia. Quando convivíamos, não nos importávamos muito com pormenores materiais. Mas alguma coisa eu levaria, ainda que fosse um simples livro, que ela é afeita à leitura, como eu. Enfim, chegaria de surpresa, quando todos já estivessem postos à mesa e não houvesse mais expectativas de que mais alguém chegasse. Sorrateiro, em passos silentes, me aproximaria pela popa, solicitando a condescendência dos que me notassem. Ao pé do seu ouvido, com languidez, insistiria no clichê do “adivinha-quem-é?”. Por alguns segundos, correria por nossas veias uma sensação antiga, pois chegara o momento do terrível e inevitável reencontro. Um abraço seguiria, como quem retorna ao canto de origem e aconchega-se no colo materno, depositando ali todas as inseguranças e desejos. Então, no solo do seu abraço, sem desapegar-me de seu corpo, eu diria:
          - Há quanto tempo, não é mesmo?! Vim pelo teu aniversário, que nada nesta vida me privaria de te abraçar! Aliás, não me deixa partir. Dize uma palavra, uma que seja para me permitir acreditar. Pede, que eu fico. Não importa o que vives agora, pois sei que teu mundo é outro, as pessoas que te cercam agora são outras, com outros porvires, outras viagens. O que vale neste momento é que ainda és viva em mim. Aprendi, a duras penas, a desacreditar do amor, das sentimentalidades. Eis que tu chegaste, como quem naufraga e se abriga no peito de outrem, para deliberadamente corromper tudo que sempre defendi. Em ti, o que se entende por amor fala mais alto, irrompe violentamente, deixando no rosto uma cicatriz em forma de sorriso. Pode parecer impossível, mas amo-te da forma mais fecunda. É tarde, direis, e eu te respondo que sim. Todavia não importa. Não tenciono retribuições, apenas peço que escutes. Que linda estás com cabelos novos, mais madura, mais inteiriça. Que fazes da vida agora? Tudo bem, sei que não é mais da minha conta. Quero apenas que não te iludas com a ideia de que, em qualquer instante, eu tenha te esquecido. As circunstâncias do tempo não me permitiram continuar te amparando, mas te velei do meu jeito, como um faroleiro ciente de que, ao longe, vela pela segurança dos que navegam. Que fique, pois, muito claro: ainda não tomamos nossa última dose, ainda não houve um ponto final, ainda não encontrei quem me renovasse tanto. Vivo a vida em reticências. O que realmente importa é que, hoje, celebro a minha vida na tua, pois é teu aniversário. Tenho plena certeza de que em tua felicidade é possível erigir a minha. Posso te dar mais um abraço? Prometo não ser breve.
         E assim, com olhos e pensamentos enervados de sentimento, teríamos nosso encontro, marcado desde sempre em nossos genes. Em seguimento, com tudo já exposto, lançaria, pela enésima vez, um adeus com ar de até breve. Seguiria sem olhar para trás, mas com a certeza de que não seria a última conversa. Aliás, como aprendemos um dia, sempre é a penúltima. Eu não devia dizer, mas essa tal saudade bate que até assusta.

3 comentários:

  1. Mais um texto para tratar de saudade. Acho que estou nostálgico demais. E isso é tão bom que chega a ser perigoso.

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  2. há saudade...esse desejo que ocupa sempre um espaço em mim! amei o texto parabéns!!!

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  3. A saudade pode se transformar mais um motivo de querer viver e um dia conseguir "matar" ela.Amei o texto.

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