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sexta-feira, 9 de julho de 2010

HONRANDO DÍVIDAS

         Sem dívidas, não progredimos. Com essa máxima em punho, os capitalistas de plantão seguem firmes desde os primórdios das relações comerciais. Acontece que fui educado de uma forma diferente. Sou um desafeto das dívidas. Prefiro exercitar a tão espinhosa dádiva da paciência e esperar o momento certo de dar o bote. Trocando em miúdos, sou dos que optam por pagamento a vista, em qualquer situação. Entanto, a vida nos compele a dever, mesmo sem a obrigatoriedade de pagar. Lembrando as boas e indolentes aulas de Português, dever é verbo bitransitivo, ou seja, deve-se algo a alguém. Maldita sintaxe. Bastaria dever algo e pronto. O pior é dever a alguém. O que pretendo, pois, com tais divagações é tentar, pifiamente, honrar algumas dívidas.
          Aos meus diletos alunos, peço-lhes compreensão pelas vezes em que, mais por cansaço que por condescendência, suspirei em frente ao quadro branco e, num átimo de segundo, roguei aos céus a oportunidade de trilhar por outras veredas, menos serpenteantes. Ademais, não me senti culpado por pensar dessa forma. Outra coisa é que, por vezes, lancei ironias sobre quem não merecia. Disparei contra todos os contrastes, arrebentando sem propósito as coisas que me parecessem opacas demais, ao ponto de não refletir minha própria imagem. Por alguns momentos, usei a sala de aula por puro protesto, quase descaso, embora fizesse questão de que isso não se aclarasse. Não hei de jurar nunca mais agir assim, mas, pelos acintes desferidos, suplico perdão.
          Aos amigos presentes e ausentes, admiro-lhes a tolerância. Saibam que, se um dia a dor urgir e os tais fardos leves revelarem-se como realmente são, não poderão contar comigo. Entanto, não me tenham por mau caráter. É que amparar amizades exige compromisso, dedicação, desprendimento, ou seja, tudo aquilo que a vida fez questão de furtar, enquanto me pegava distraído pelos cantos. Confesso que sou daqueles que exigem demais de si e dos outros. Espero sempre que os outros me procurem, afinal são ou não são amigos? Se não ligo, é porque antes alguém pensou em me ligar e não o fez. Claro que, se todos pensassem dessa forma, não haveria motivos para tantas operadoras de telefonia, nem para grandes amizades. Ainda assim, cônscio das blasfêmias lançadas contra certas tolices sentimentais, sei que a amizade tolhe-nos preconceitos, permite-nos lembrar que, se estamos sozinhos no universo, existem constelações de indivíduos a gritar o contrário, empurrando-nos para fora da cama e fazendo-nos notar os benefícios quase psiquiátricos de uma boa conversa, uma cerveja gelada, um abraço verossímil. Amigos, pois, uni-vos em torno do nobre exercício da tolerância.
          Às impossíveis realizações, por desistência ou adiamento, não há o que dizer. Certos momentos já trazem em si todas as justificativas necessárias. Pensemos, portanto, que nunca existiu, em qualquer que seja a frente de batalha, um tropel tão fervoroso, uma trilha tão minuciosamente expugnada. Se não ofereci o fino trato, necessário às sentimentais empreitadas, abri-me por completo, deixei ser o que realmente sou, coisa rara em tempos de ocultamentos eletrônicos. Da maneira mais pueril, com olhar macerado de desejo, os toques em botão abrindo-se no alvorecer, os flagrantes arrepios no avistar, ao longe, a silhueta atemporal da figura amada, foi assim que me realizei nas impossibilidades. Destarte, apelo para a pena máxima, pois jamais mereci dedicação e decência. Mesmo assim, se do estreito cardíaco escorrer alguma misericórdia, favor não esquecer que, a despeito dos apelos, os amores partiram, mas deixaram a luz acesa. Em nome das boas intenções ecológicas, um dia voltarão para apagar. Nesse instante, em meio à escuridão, direi mentiras que, de tão necessárias, farão as verdades aqui derramadas parecerem sombras no jardim.

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