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domingo, 28 de fevereiro de 2010

Depois de enxugar umas dez vezes o suor da testa, peguei-me a pensar em uma pá de coisas. Matutei sobre as contas por pagar, mas logo percebi que não vale a pena gastar pensamento com cifras sem razão. Num átimo, parti rumo às pessoas que passaram por mim, mas sei que o passado é como uma vela acesa a iluminar vãos que precisam muito mais de escuridão do que de qualquer outra coisa. A memória nessas horas é tão inútil quanto um retrato antigo de um grande amor que, de tão amarelado – o retrato e o amor, é preciso apertar os olhos até quase cerrá-los por completo para poder enxergar algum esboço.
Decidi, por pura falta de opção, voltar o pensamento para o que verdadeiramente sou: professor. Por que ser professor? Que bênção estranha é essa que por vezes se confunde com carma? Há quinze anos, quando comecei a lecionar, se não havia as respostas, é porque não sabia como formular as perguntas certas. Estranho é que, neste exato minuto em que escrevo, suponho não existirem perguntas certas sobre isso. O que faço é dar aula. Alguns puritanos, ao ler essa declaração, podem dizer que professor não dá aula, ministra-as. Puro jogo de palavras. Outros, os radicais, diriam que professor que é professor não dá aula, vende-as por bom preço. Tolice sindical.
Como vender o conhecimento? Melhor mesmo é dar aula, ou melhor, doar. O que fazemos é essencial demais para ser vendido ou formalizado. É, sobretudo, uma doação, um ato de abnegação, uma forma de pensar o outro como um embrião de tudo que se possa chamar de esperança. Sim, somos portadores do vírus da esperança. Não é tão contagiante assim, a bem da verdade, mas existe.
Professores são teimosos e turrões. Afinal, lutamos contra inimigos intransponíveis, ininteligíveis, portando gládios de cujos ápices emanam não tinta, mas conhecimento. Os elmos, de capa e contracapa, nos tele-transportam a universos vários de letras, números, passados e futuros. Nas mãos de cada professor, existe um tempo de agir e um tempo de cansar, como ocorre para qualquer ser humano. Acontece que, quando o cansaço chega, abate, basta um olhar aprendiz, um braço em riste à procura de algo novo, uma voz duvidosa de quem busca algo maior do que as próprias limitações; quando alguém, meio sem querer, agradece por todas as lições de escola e de vida, nessas horas, o cansaço se sufoca, e a ampulheta dá mais uma volta. Não somos imortais, e, se fôssemos, teríamos o discernimento necessário para entender que imortalidade não é dádiva, mas sofrimento. A questão é que agimos de tal maneira, que parecemos acreditar numa certa imortalidade, não a do corpo, mas a da alma e do coração.
E somos, principalmente, perigosos. Já derrubamos doutrinas, unimos países, ignoramos fronteiras, instituímos teorias nunca dantes navegadas. Os governantes nos temem, pois sabem que temos em nosso poder o que lhes é mais caro: seus filhos. Os pais nos sobrecarregam, pois inventaram que nós temos que ser pai, filho e espírito santo. Os detentores da razão nos odeiam, que não há ninguém que os questione, a não ser os professores. Que importa! Ser professor é mais que qualquer visão teórica ou lúdica. Ser professor apenas é. Pronto, encontrei a definição. Sou professor, por isso sou neste mundo. Um dia falarão do que ensinei, e nas palavras firmes de meus alunos haverá um sopro que se confundirá com saudade.

2 comentários:

  1. Você acabou de escrever o que eu sempre imaginei ouvir de um professor. *.*
    Muitas vezes ouvimos apenas que ser professor é difícil e cansativo, e tenho consciência que realmente deve ser, mas acredito também que todo esse trabalho tenha um retorno. Esse reconhecimento entre os alunos, todo o carinho que eles te passam deve te dar um gás pra seguir, né?!
    Se todos professores vissem essa profissão como um ato de doar as aulas seriam bem mais rendosas. ;)

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  2. Belas palavras! Retratrou muito bem essa linda profissão! Somos perigosos, haha. Parabéns!

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