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domingo, 28 de fevereiro de 2010

A página em branco. Sabe-se lá quantos desafios uma simples página em branco nos impõe. Às vezes, paro e espero chegar de algum lado a vontade de preencher espaço numa folha em branco. É que não creio em inspirações. Para mim, basta vontade, a mesma que se tem quando, na hora aprazada, respiramos fundo e, num único fôlego, qual náufrago, dizemos o que temos que dizer, que magoe ou não, que entorpeça ou não. Escrever é, sem dúvida, um dos atos mais imprecisos de minha vida. Sempre deixo para depois. Se estou ocupado, não escrevo. Se nada tenho para fazer, não escrevo, já que escrever seria negar a condição inicial, a de não fazer nada. Por fim, escrever demanda tempo e dedicação. O bom é despejar no papel o melhor de nós e dos outros. O ruim é que nunca é dessa maneira. Menos esperamos, o mais obscuro de nós se revela. Por vezes, tive vontade de falar sobre temas mórbidos. Fascina-me a morte. Penso nela como uma carícia, um alento, um seguro de sobrevida, se é que me entendem. Ao contrário do que possam pensar, não me permito acreditar em vida após a morte. Sou dos que crêem ser possível morrer em vida. Por isso, se uma porta deve ser aberta, abra. Se uma palavra é para ser dita, diga. Se uma porrada merece ser dada, esquive-se, e revide, sendo o caso. Nada cristão, por certo, mas extremamente realista. Sim, sou cético. O palpável é o que me move. Não concebo ter que, do nada, extrair um pseudo-tudo. Poeta nunca fui, é por isso. Ter composto um ou outro verso, decerto imitações dos que realmente merecem aplausos, não faz de mim um arauto da poesia. Assim, condiciono o que escrevo ao simplório, daí alguns se reconhecerem nas palavras que inconstantemente vomito. O mundo é simplório demais. Qual de nós irá negar que somos como velas, presas a um castiçal, esperando o primeiro vento ou a derradeira tempestade. Um sopro mais forte e pronto. Reconhecer a própria fragilidade não é grandeza, mas um passo importante para entender que, mesmo limitados, somos capazes de coisas dignas de um semideus. Não somos os únicos do universo com tal capacidade, por certo. Uma formiga, uma reles formiga, na sua pífia condição de formiga, é capaz de suportar um peso dez vezes superior ao seu próprio. Não nos comparemos a formigas, até porque perderíamos feio. Não importa. Falemos sem desesperanças. Quero escrever sobre felicidade. Sim, a despeito de quaisquer descrenças, o importante é ser feliz. Em minhas aulas, muito alardeio a felicidade. Pergunto sobre a felicidade alheia, que me chega como algo a ser analisado em laboratório. Deve existir um gene que nos leva a buscar a felicidade a todo custo. Digo que sou feliz. E isso basta. Se parecemos, somos, ainda que, no íntimo, não sejamos. Sorrir é o segredo. Um dia alguém me disse que o sorriso é o cartão de visitas da alma. Desde quando alma precisa de cartão de visitas. Alma precisa de alma, de sobriedade. Sorrir é sorrir e ponto. Quem solta uma gargalhada não me revela nada além de estridência. Felicidade em excesso é pura elipse, uma espécie de esconderijo, uma forma de esconder-se ao mostrar-se para todo mundo. Pois bem, a felicidade rasga agora meu espírito. Ouço pássaros, passados e passos. Se os ouço, não sou poeta, senão alguém a quem, por maldição, foi dado o dom de ouvir o inefável. Ao menos penso assim. Como é tolo. Renego a poesia e, ao fugir, vejo-me entrelaçado nela. Até agora não sei bem sobre o que escrever. Se assim é, melhor não fazê-lo. Dessa forma, tudo que contradiz a um só tempo revela. Melhor então as reticências...

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