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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sobre todos os amores

          
          Como escrever é também, ou principalmente, tratar de assuntos sentimentais, não me posso esquivar diante da voracidade dos leitores que me exigem temáticas relacionadas ao coração. Dia desses, céu nublado pelas quinas de outubro, recebi uma mensagem de uma ex-pupila sugerindo que eu desse cabo à infame pergunta "O que é o amor?", tarefa não muito fácil, sequer prazerosa, entanto me propus o desafio de palestrar sobre amor em tempos de íntimos distanciamentos proporcionados pela modernidade.
          Que faz um ser falível, conformado com quase tudo que lhe ocorre do firmamento, crer-se indomável ao ponto de entregar-se a uma dádiva tão ancestral quanto o amor? Quem ama é resignado, tolerante com todas as falhas do ser tido como amado. O amor é o apogeu da solidariedade. Isso lhe dá um caráter divinal e, por isso mesmo, distante da iniquidade humana. Mas, mesmo assim, amar é tão necessário quanto acreditar que existe qualquer pormenor sobrenatural capaz de garantir que não somos criaturas dotadas do utilíssimo mecanismo da solidão. 
          Por certo, o ser amante, ao confundir-se com o ser amado, forja os mais ignotos e surreais planos para que, em dia de brevidades e amparos, tudo saia como planejado. Antes de qualquer entusiasmo, é preciso selecionar com cautela a figura contra quem se arremessará todo o sentimento do mundo. De preferência, que seja calminho, sem muitos rompantes, que até solte seus impropérios, mas de forma comedida, sem acordar a vizinhança. Deve também ser apresentável diante da alta sociedade novelesca, que impõe padrões retangulares de beleza, portanto, se for branquinho, lourinho e riquinho, arrefece boa parte das futuras cefaleias por conta do falatório das gentes. Não esquecer que o amor pressupõe prestação de serviços também, como uma espécie de ação social, mas para amparar apenas um ente, o amado, se é que me fiz entender. Explico: quem ama sente necessidade de demonstrar, com mimos e doces, a sentimentalidade que o acomete, e isso é maravilhoso, pois nos faz exibir a mais nobre das virtudes, a tolerância. Só amando para tolerar uma palma de mão suada, um buço de piaçaba, um olho estrábico, uma perna torta, um dente caído, essas coisas decerto banais perto da credulidade de quem se entrega à cegueira lassa do amor.   
           Não obstante o cumprimento do protocolo, é preciso poetizar o mundo. Entender os benefícios do acaso é um bom começo. Amor e acaso vivem de mãos dadas, como siameses. Nada mais instigante que um entrecruzar de olhares em tempo de calmaria, mais que suficiente para chacoalhar as descrenças, para traduzir do peito para a alma o mistério da revelação amorosa. E amar é revelar a si e ao outro, extrair de nós o que aparentemente nunca houve.
        Melhor que a presença é a ausência do ser amado, que se metamorfoseia em desejo, espera, lembrança, e como é confortante ter de quem se lembrar, não em hora marcada, mas a qualquer tempo, por um simples despertar sugerido em um cheiro, uma música, um momento de mirar fixamente um ponto qualquer. É como se, finalmente, encontrássemos o espelho ideal, que nos revela o melhor de nós, sem conceitos prévios, sem definições, somos apenas nós no corpo de outro. Em verdade, basta a mínima insinuação de um toque para que o corpo enrijeça, retomando cada momento ao lado do ente querido, revisitando as palavras ditas e inauditas. E o bom do amor é o não-dito, o que fica por ser feito, por ser decifrado. É fundamental que se deixe algo para a manhã seguinte, um suspiro novo, um tom de voz ainda oculto, uma inesperada maneira de sugerir um carinho. Somente quem ama sabe o valor do dia seguinte, do que está por vir, do que se guarda não pelo capricho de quem se acomoda, mas pela esperança de que o caminho seja revelado enquanto se trilha, e cada passo sugere a certeza do passo seguinte. 
           Sim, há nobreza no amor, apesar de ser nuvem ou onda, como diria Cecília. Sem ele, o que fazer com tantos poemas, tantas canções, tantos instintos e desejos. Aos jovens, aconselho que amem despudoradamente, que os amores vêm e vão, mas ficam os aprendizados. Aos velhos, como eu, amar talvez seja um retrocesso, uma tentativa vã de resgatar uma alma imberbe. Que seja! "Acho que não me sinto mais tão velho!" 

5 comentários:

  1. Siiiiinval's! (Eu sei, você odiava quando eu te chamava assim! xD Sempre dizia que mais parecia nome de bar! kkkkkk).. Enfiiiim, para quem afirmava "não ter coração", você continua surpreendendo e provando que é um mestre sentimental! Não adianta negar suas qualidades! Mestre é mestre! (; Muuuita saudade de você e das suas aulas incomparáveis! Beeijo grande! ;*

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  2. Muito bom,verdade quem ama tolera tudo até o ronco do marido.kkkkk

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  3. Como pode um ser tão escandalosamente insensível, se extravazar silenciosamente em versos tão incrivelmente sensíveis assim?

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