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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

distração


se me falta teu cheiro, é que não decorei teus traços de noite aberta;
falta, por certo, tua voz, a de tantas desditas roucas, que de tuas palavras nada restou, senão respingos e uma fiada de gírias que muito pouco me diziam;
ainda me falta o olho de cão, esperto em cio, que do que miravas não me recordo, mas sei que eras distante, tanto que teu mirar redizia o itinerário das naus: querias o mar e mar não havia!
falta-me o êxito das promessas arremessadas contra as inúteis desesperanças, que gravei em teu colo o sinal da grande consoladora, e hoje crês mais em ti do que nas antigas sombras, porque te dei asas e não te alcancei no voo...
o que me foge é teu maquinal trejeito de criança arteira, pura arte ou manha, que, quando cresceste, tua imagem ganhou cores e formas abstratas e o que se tem por céu, o de Galileu, avermelhou-se por vexame e luxúria;
só uma breve rosa, pequena de doer, ainda teima, desabrochante em meio à esterilidade da memória: uma última promessa, a de que terás tua prole e teu sonhado conquistador d'além-mar, e os de tua casta verão em ti o apogeu do sangue...
quanto a mim, basta-me a rosa, não a que vejo, mas a que sempre houve, e outras virão, que roseiras tantas existem de lá para cá: em cada desabrocho, por um leve momento, todas as rosas te servirão de guia e retornarás, mesmo que não mais rosa, mesmo que apenas eu em tua forma, mesmo que nunca uma rosa houvesse.

* Texto dedicado a quem certamente não mais existe; por isso mesmo, é difícil de esquecer...

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