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domingo, 13 de novembro de 2011

Apenas uma carta

         
            Fortaleza, ... de ... de 2011.

            Caríssimo ...,

            Calma, isto não é um anúncio publicitário. É uma carta mesmo. Um carta, algo tão antiquado quanto curso de datilografia. Não, não é nostalgia, ou talvez seja, afinal, você me conhece, sou daqueles aficionados em velharias, colecionador de vinis, vasculhador de raridades cinematográficas. Sei que podia apelar para o providencial "e-mail", que não deixa de ser uma carta, mas o meio virtual não tem o mesmo charme, creio. Os tempos mudaram, e o glamour da carta se esvaiu. Antigamente, esperava-se ansiosamente o grito do carteiro. "Correio". Era uma festa. Cartinha da mãe, notícias do filho, fotos dos primos recém-nascidos, fofocas daquela cidadezinha há muito esquecida, palavras de amor. Tudo cabia em uma carta. Hoje o carteiro não grita mais. Não há necessidade de alarde para receber contas ou reclames. 
             Quer saber, não sei por que resolvi escrever esta carta. Talvez por não aguentar mais essas respostas imediatas e vazias impostas pela modernidade. Será que alguém ainda sabe o que é esperar? Nos bons tempos da comunicação epistolar, se enviávamos uma carta para ter notícias sobre o estado de saúde de alguém, depois de vinte dias ou mais recebíamos a resposta, o que, nesse caso, não era muito interessante, pois, em geral, as doenças menos sérias não são tão persistentes. E as velhas cartas dos admiradores secretos? Era assim que o amor, muitas vezes, principiava. Que frio na barriga, que vontade de ler e reler várias vezes aquelas palavras elogiosas, vindas de sei-lá-onde, das novelas ou das fantasias hollywoodianas. E o amor surgia, em contagotas, depois de inúmeras idas e vindas para se descobrir o autor das tão aguardadas cartas. Com o imediatismo que existe hoje, agir assim, com paciência e precaução, seria um sinal claro de desinteresse. As relações amorosas aderiram à era da banda larga, seguindo na velocidade dos milhares de bytes e pixels, e não me parece certo que, depois de dois ou três cliques, sem o menor vestígio de presença ou pele, haja vontade de rasgar todos os véus das sentimentalidades, ao cúmulo de acachapar-se com a entorpecência dos eu-te-amo. 
              Sou de cartas, das que comovem pela lentidão, das que destronam pela insitência, das que inquietam pela demora. Aliás, amigo velho de guerra, se quiser me contactar, é favor fazê-lo por meio de uma carta, recheada de notícias fresquinhas e vagarosas, feito pão matinal de domingo. Prometo que lerei várias vezes e guardarei com carinho cada palavra arremessada. Talvez, um dia, recebamos uma carta de amor. Já pensou? Um papel pefumado, uma letra rodopiante, quase melódica. Ali, da forma mais antiga possível, descansariam as melhores palavras que a limitação humana poderia conceber. Os amores de outrora eram mais precisos e resistentes, pois nasciam do inesperado da frase escrita, da admiração pura pelo ardil literário de um amor distante, mas não ausente. Tive poucos amores, e, de cada um deles, quase nada ficou. Eram possíveis demais. 
               Sabe por que as coisas acabam? Porque as palavras se findam. Sem elas, nada sobrevive. As cartas não são diferentes. Chego ao fim por não ter mais o que dizer. Desculpe-me por evitar as frugalidades. Apenas tentei fugir da frialdade de um "tudo bem?", um "espero que esteja com saúde" ou coisa parecida. É que gosto do inesperado. Não vou mais aborrecê-lo com minhas tolices. Seja feliz, que o tempo nos pertence, e, a cada volta nos ponteiros, um pouco de nós fica para trás. O que estanca a ganância do tempo é a alegria. 

               Com carinho,

               x x x


           

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