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domingo, 10 de julho de 2011

Sobre sprays de pimenta e vocações


          Escrever um texto em que todos os professores se reconheçam não é tarefa grata. Até porque somos uma raça em extinção, como pandas ou ararinhas-azuis. Assim como esses bichinhos, somos criaturas dóceis, incapazes de fazer mal a qualquer ser que não seja espelho. Além disso, despertamos comoção entre aqueles que se sentem impelidos a defender causas nobres no planeta. Um dia, quem sabe, visitarão escolas para tirar fotografias em frente à jaula dos professores.
          “Mamãe, o que é aquilo com um toco de giz na mão e uma cara de poucos amigos?”
          “Ah! Aquilo se chama professor. Na minha época, eles viviam soltos por aí e eram muitos, mas hoje só podem ser vistos em cativeiro.”
          “Bicho mais esquisito, mãe!”
          Mas um dos grandes méritos do professorado é que somos dotados de uma credulidade quase papal. Acreditamos que a situação do país vai melhorar e, por conta disso, a classe política vai ser obrigada a discutir a educação de uma forma mais séria e efetiva etc, etc, etc. Venhamos e convenhamos, os políticos, ao menos uma parcela considerável deles, não está nem aí se o professor tem ou não condições de exercer dignamente seu ofício. Vou mais longe, as greves de professores tendem a ser as mais longas e inegociáveis possíveis, afinal, filho de deputado não estuda em escola pública. Na escola particular, greve é assinar a carta de demissão, e por justa causa, diga-se de passagem. Nunca ouvimos falar em uma greve de vereadores ou deputados, sinal claro de que estão satisfeitos com suas condições de trabalho e seus respectivos rendimentos. E outra, quando não se dão com o salário que ganham, basta uma canetada para, da noite para o dia, o pomposo contracheque dos legisladores aparecer com boas cifras a mais. Ninguém acha que um político é um coitado, ganha mal, é desrespeitado no seu ambiente de trabalho, corre risco de vida ao terminar o expediente pelas tantas da noite. Todo mundo quer ser político. Agora, quem quer ser professor?
          Digo, pois, com todas as letras: ser professor não é para qualquer um. Entretanto não me venham com poetizações ou pieguices em relação ao magistério. Fico estupefato quando colegas professores chegam com o discurso onírico de que devemos lecionar por puro amor, por vocação apenas, sem pensar em qualquer problema que ofusque o brilho perene dessa tão solene profissão. Pensando dessa forma lúdica, deve haver quem acredite que professor se alimenta de estrelas, bebe sorrisos e palita os dentes com patas de borboletas. Isso tudo é muito bonito, mas pouco prático. Antes de qualquer imaterialismo, precisamos entender o profissional da educação como um ser de carne e osso, que come, bebe, arrota, procria, deturpa a ordem vigente, cospe na parede e o diabo a quatro. Sem essa concepção, geramos uma teia de conformismos e injustiças, uma vez que o professor, por pior que esteja a situação, não pode abandonar o barco, pois sua atividade requer muito mais que salário ou condições de trabalho decentes. Talvez esse tenha sido o pensamento dos guardas municipais que, recentemente, descarregaram os sprays de pimenta sobre professores. Na cabecinha desses exemplos para a corporação, todos ali eram um bando de vagabundos, sem querer trabalhar, uns acomodados que nunca pegaram no pesado, só dão umas aulinhas aqui e ali e acham que se sacrificam. Se vivêssemos em um país com uma educação mais real e menos imaginária, os guardas que investiram contra os professores soltariam seus sprays de pimenta, desobedecendo a qualquer ordem truculenta para ferir profissionais que já são agredidos cotidianamente pela própria condição que se impõe a eles; em seguida, num gesto de solidariedade, se juntariam aos professores e passariam a exigir, conjuntamente, melhorias trabalhistas para todos. Mas isso é pura ficção.
          Conclamo, pois, a massa juvenil que ainda não tomou tento do que vai ser quando “crescer”. Sejam professores. Entanto, entre nessa para ganhar. Não aceite os mandos e desmandos impostos por uma sociedade cercada de idiotas que querem enfiar na sua cabeça que ser professor é a maior roubada, pois ganha-se mal, trabalha-se muito e não se tem a devida valorização. Não há nada neste mundo que se equipare ao prazer de lecionar. Essa é a primeira lição que o professor deve passar aos seus alunos. Para uma sociedade carente de pessoas que pensem e ajam, é interessante para a classe dominante criar uma publicidade negativa em torno do ofício de ensinar. Seria uma verdadeira revolução se tivéssemos uma leva de jovens, todos sedentos por mudanças, ingressando nos cursos de licenciatura e, em seguida, no magistério, prontos para aplicar novas técnicas e revolucionar a sala de aula. Precisamos de professores jovens, diferentes, entusiasmados e, sobretudo, dispostos a lutar em defesa da educação. Mas que fique bem claro, não espere medalhas de honra ao mérito ou coisa parecida. Muito provavelmente não erguerão estátuas em sua homenagem, nem batizarão ruas com seu nome. Ocorre que, mesmo assim, não é fácil esquecer um bom professor. Se, neste exato momento, fecharmos os olhos e acarinharmos a memória, em questão de segundos alguns professores ressurgirão em carinhas risonhas, amparos sempre providenciais, palavras alentadoras e lições inesquecíveis. Ser professor não é um sonho, eu sei. Para sonhar, é preciso estar dormindo. Uma coisa necessária para se tornar um bom professor é permanecer de olhos bem abertos, construindo esperanças necessárias para que os homens permaneçam acordados, e as crianças também.

4 comentários:

  1. Talvez uma certa quantia de dinheiro a mais no bolso e umas horinhas extras de descanso em casa, seja no governo ou entre os "magos" da educação, nos façam ver a vida de forma mais bela, cheia de flores... pássaros... sonhos... o dinheiro nos permite um pouco essa proeza do sonhar, pior é quando estamos de mente vazia e perdemos tempo de olhos fechados, sonhando junto com eles, que nos fazem acreditar (por pouco tempo) que salário mínino e amor enche barriga, educa, cuida, paga as contas... Adooorooo teus textos, não tem como esconder!!! Parabéns!

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  2. Belo desabafo!
    Também sou professor e entendo
    plenamente sua (nossa) insatisfação.

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  3. É pena que as pessoas não tenham senso crítico para pensar e agir de forma coesa.

    "Antes de qualquer imaterialismo, precisamos entender o profissional da educação como um ser de carne e osso, que come, bebe, arrota, procria, deturpa a ordem vigente, cospe na parede e o diabo a quatro."

    Melhor que qualquer estátua e rua em homenagem, é construir um país mais inteligente, que interrogue, dite, grite, verse. É erguer estátuas onde possa pichar revoluções e lutas contra todos os tipos de ditadura que sustentam a miséria. Que a maior de todas as misérias é a ignorância. Lutemos, então!

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  4. Professor Sinval, Bom dia!
    Já fui seu aluno no Loureço Filho e gostaria, se possível, de uma orientação sua.

    Desejo novamente um passeio pela literatura internacional e nacional, passando pelas classes literárias e afins. Entretanto, estou em dúvidas qual livro devo optar como amparo para minha orientação sequencial. Vi 3 opções interessantes e gostaria de seu esclarecimento sobre estas, e se por acaso indica algum outro livro.

    Opção 1: Literatura Brasileira, de William Roberto Cereja e Thereza Cocchar Magalhães.

    Opção 2: Português (SÉRIO NOVO ENSINO MÉDIO),do MAIA.

    Opção 3:Língua e Literatura, do Paraco & Moura.

    Grato desde já!

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