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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Sobre lágrimas e recomeços

        
         Poucas foram as vezes em que chorei. E não fiz questão de que houvesse testemunhas. Chorei apenas, sem riscos ou descobertas. Meu último sangradouro foi há oito anos, pela perda de meu pai. Ele, com habilidade sinfônica , costumava me alertar para a promiscuidade dos sorrisos. E é uma grande verdade. Todo mundo sorri para todo mundo. Um sorriso não escolhe alvos. Basta um simples cumprimento, um bom-dia no início do expediente de uma segunda-feira nublada, para que a face se contraia em simpatia e dentes. Com o pranto é diferente. Costumamos selecionar criteriosamente aqueles que terão o privilégio de presenciar nossas lágrimas.
        As crianças, é claro, não têm pudores ao expressar qualquer dor ou birra por meio de um providencial berreiro. Mas os adultos, hipócritas de carteirinha, têm a obrigação de transparecer toda a fortaleza necessária para assumir a patente de que realmente cresceram e, por conseguinte, nada é capaz de abalá-los. Conheço algumas pessoas que, nos momentos mais tensos da vida, optaram por esconder-se nos vãos míticos da alegria forçada. Tolice. Chorar é um espetáculo essencialmente humano, e as cortinas da alma se abrem apenas diante de uma plateia criteriosamente escolhida, depois de anos e anos de preparação e consulta aos astros. É fato que choramos pelas mais variadas razões. Há quem o faça por puro capricho, como os que veem o time do coração afundar-se em mais uma derrota para o principal rival. Essas são lágrimas de fúria e frustração. Tanto que, minutos após a lamúria, segue-se um ritual de xingamentos natural de quem queria apenas extravasar a ira. Mas existem motivos bem mais reais para se debulhar em lágrimas. 
         Admiro os que choram de felicidade, talvez por nunca ter experimentado fazê-lo. Lágrimas de alegria são frágeis, pois facilmente se confundem com os sorrisos que seguem em concomitância. Agora, quando queremos chorar de verdade, como uma forma de encurtar dores, tendemos à solidão e ao isolamento. Ninguém que conheço costuma ligar para os amigos na intenção de chorar em terreno alheio. "Vamos sair hoje, que eu estou com uma vontade grande de chorar". Seria algo estranho, por certo. Entanto, como a vida é feita de experimentações, por que não arriscar chamar alguns amigos, como numa espécie de psicoteste, e ver quais estão realmente dispostos a acalentar-nos o pranto? Tantas vezes gastamos nossos indolentes sorrisos com essas pessoas. Vez em quando, é bom mostrar que também somos humanos o suficiente para cair nas tarrafas da tristeza. As melhores lágrimas são aquelas que compartilhamos. Se conseguimos rir com os outros, também deveríamos ser capazes de chorar com os outros.
         Como me meto a escrever, e o sentimento humano me intriga nessas horas, prefiro crer que as lágrimas mais verossímeis são aquelas vertidas por outrem, por alguém que se fez presente e agora não passa de uma persistente ausência. O pranto dos apaixonados é febril, morno feito chuva de setembro, por isso inquieta, perturba ao ponto de não ter hora de iniciar ou terminar. As perdas, por mais banais que possam parecer, ecoam em nós como uma forma de alertar sobre um possível vazio que se formara após sermos privados do que nos preenchia. E os que sofrem pelos pontos-finais que teimam em se antecipar não sentem apenas pela ausência do que outrora soava como amor. O pior é o recomeço. Reinventar costumes. Os sábados sem motivos, os domingos sem a velha pizza, os lugares especiais que voltaram a ser meros espaços desconhecidos. Temos medo de recomeçar. É isso que nos impele a gritar, a criar ambientes de alegria forçada, a esconder as anímicas intenções.
          Não tenho mais disposição para lágrimas. Talvez o açude tenha secado. Entanto, sugiro que os que pranteiam não tenham receio de rasgar lágrimas na frente de quem quer que seja. Ademais, se assim é feito, é sinal de que realmente confiamos naquele que ali está, diposto a acolher nossas lamentações. Nenhum pranto merece ser contido, por quem quer que seja. Enquanto isso, vou em busca de algo que me faça chorar, não o choro indeciso dos que perderam alguma coisa, mas uma lágrima, uma única e derradeira lágrima, diante de um pôr-do-sol que me revele a beleza do recomeço.

           

Um comentário:

  1. Eu amei a palestra sobre poesia e esse texto aqui... Simplesmente perfeito. Gosto demais de acompanhar suas publicações... Te admiro muito, por ir além da simplicidade, por ser complexo e expor sentimentos que poucos sabem descrever.

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