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domingo, 12 de junho de 2011

Sobre cartas e namorados


          Encomendaram-me, quase por desafio, um texto que tratasse sobre o indefectível dia dos namorados. Para completar, pediram algo "sério", sem acidez ou barbitúricos que estragassem o solene toque de recolher da data. Agora, não sei bem sob qual perspectiva devo iniciar tal empreitada onírica. Conforme o apelo, certamente não seria do agrado colocar o mencionado dia no rol das efemérides puramente mercantilistas. Ademais, um comentário lugar-comum como esse em nada influenciaria a verve de pelúcias, rosas e outros mimos simpáticos que abastecem o peito dos puros d´alma. Entanto, deveríamos ser justos. Se nos obrigamos a presentear namorados no dia que se dedica a eles, deveríamos, obviamente, despender esforços de modo a brindar outras categorias sociais mais úteis, como o carteiro, por exemplo. A quem interessar possa, o dia do carteiro é 25 de janeiro. Presenteemos, pois, nossos queridos e inconsoláveis carteiros, tão importantes, tão esquecidos por uma sociedade que prefere a palidez do e-mail ou das redes sociais. Não sou contra dar presentes ao companheiro em data oportuna, mas não esqueçamos os que nos são realmente providenciais, como o suado carteiro, coitado, que, debaixo de sol e chuva, salvaguarda um dos últimos resquícios de alma e poesia em meio ao caos cosmopolita, a carta. Todavia, para facilitar a vida e economizar bons trocados, que tal namorar o carteiro? Dessa monta, um só presente mataria a jogada.  
          Verdades à parte, no dia dos namorados cabem-nos algumas indagações. Por que ser namorado(a)? Imagino a substância criteriosa das respostas. Porque não quero ficar sozinho(a). Triste é pensar que as pessoas, sobretudo os jovens, esquecem que as grandes realizações universais ocorrem quando se está consigo mesmo, acompanhado tão-somente do pensamento e da felicidade clariciana de ter chegado lá. Os vencedores, os que realmente nasceram para isso, antes de receber abraços outros, costumam abraçar a si mesmos, pois reconhecem a importância do estar só no momento certo. Será que estou com a pessoa certa? Outra pergunta clássica, reveladora de uma sensação tão clássica quanto: a incerteza. Distinguir a pessoa certa na multidão não é tarefa simples, evidentemente. Quando criança, ou mesmo na fase adulta, sei lá, há quem mire nuvens na intenção de atribuir-lhes formatos. Veem-se coisas, bichos, pessoas. Até que se encontra a nuvem certa, com o formato mais inesperado, e é essa dita nuvem que nos prende a atenção. Nuvem maldita...nunca vi coisa assim...não pode...isso é coisa de ET. As reações diante da situação são várias. Creio que esbarrar na pessoa certa é como encontrar uma dessas nuvens. Não é a nuvem em si que faz a diferença, mas a forma como olhamos para ela. Não é a nuvem que nos escolhe, nós a escolhemos em meio a tantas, todas iguais, incapazes de despertar o mesmo vigor imagético. E, por ser nuvem, não nos esqueçamos, as formas mudam, os contornos esvanecem, dependendo apenas de um pouco de vento. As nuvens se desfazem, e o que resta é apenas a imagem inicial, aquela que se moldou pela frenética busca de encontrar algo suficientemente diferente, enquanto, penso, a grande diferença estava na maneira única de ver o que precisava ser visto.
          Será que estou realmente feliz ao lado dele(a)? Essa pergunta é das mais difíceis, já que lida com o lado prático do relacionamento a dois. Felicidade é algo essencialmente particular. Um amigo de infância confidenciou-me certa vez que se sentia realizado ao ver a namorada chorar. Segundo ele, não havia momento mais sublime, mais extasiante, do que enraivecer a moça até não poder mais, até o momento em que ela, sem suportar o terror psicológico, deixava escapar lágrimas que, pela ótica do algoz, conseguiam torná-la mais bela do que em qualquer instante de sorriso. Para ele, portanto, a felicidade reside na tristeza do outro. Estranho, mas compreensível. Outras felicidades habitam atitudes menos bruscas, mas, no frigir dos ovos, levam à mesma sensação de delicadeza e euforia. Diga-se de passagem, não há nada mais delicado do que uma lágrima.
         Se faltou alguma pergunta, não vem ao caso. Minha intenção não é ser o detentor de todas as verdades, nem tive a pretensão de criar um manual de sobrevivência para namorados de primeira viagem. Se já namorei? Claro. Mas fiz isso por diversão, e assim deveria ser. Quando namoramos, queremos levar uma vida conjugal séria e definitiva, estabelecendo rédeas e normas dignas do mais obscuro matrimônio. Depois do sonhado casamento, como forma de reestabelecer vínculos há muito perdidos, não é difícil ouvir do parceiro o famoso "devíamos voltar a namorar". Sinceramente, não consigo dizer palavra sobre dia dos namorados. Melhor gastar caligrafia com outras coisas. Acho que vou escrever uma carta. Não um e-mail. Uma carta.   

2 comentários:

  1. Concordo com cada palavra tua. E, ainda mais, com aquele texto "Coração, pra que te quero?", quando tu dizes: "o amor é a mais criativa e devastadora invenção dos capitalistas."
    O mais incrível de tudo, é que as pessoas continuam fazendo a mesma promessa - eu sempre vou te amar. - e, mesmo depois de saírem repetindo a mesma frase para muitos, não aprendem que o 'pra-sempre' sempre acaba.

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