Não me espanta que os cidadãos comuns, leigos no que tange a estudos linguísticos, recriminem, até de forma ferrenha, o padrão coloquial da língua. Também não me admira que a mídia, sempre disposta a sacos de gatos, exponha em letreiros garrafais que um livro didático adotado pelo MEC ensina a falar "errado". Agora, o que arrepia meus indigentes cabelos de professor de Língua Portuguesa é ver colegas de Letras e Circunstâncias defenderem a golpes de Aurélio que a única maneira de falar corretamente é agir como prega a gramática.
É evidente que não devemos menosprezar a variante formal da língua, a normatividade, mas é necessário que a norma padrão seja compreendida como realmente é: uma variante, ou seja, um mecanismo de expressão verbal do qual se deve lançar mão quando a situação comunicativa assim determinar. Imagine a linguagem, pois, como um imenso guarda-roupa, recheado de modelos que, dependendo da situação, poderão ser utilizados ou não. Pense como seria estranho ir à praia de terno e gravata, ou comparecer a um velório com sandálias de borracha, bermudão vermelho-berrante e camiseta regata verde-limão. Para interagirmos com os textos que expressam nossos direitos fundamentais (Constituição, Código Civil, CLT...), é preciso conhecer o padrão formal da língua; além disso, para desvendar as veredas da literatura, é impossível prescindir da norma culta. O problema é que, muitas vezes, confundimos a língua com a gramática. Há quem cometa a gafe de acreditar que é a gramática que rege a linguagem, ao ponto de considerar errada qualquer forma de expressão que se desgarre das prescrições gramaticais.
A começar, a escola não ensina a Língua Portuguesa. O que costuma ser ensinado é a linguagem padrão, e, diga-se de passagem, sem fundamentação prática. Aprendemos o que é um substantivo concreto, mas não passamos muito disso, ou seja, não percebemos como esse conhecimento pode contribuir para que nos tornemos leitores eficazes ou redatores eficientes. O ensino da gramática, por vezes, se afasta perigosamente do texto, o que faz com que as aulas de português se tornem um mero apanhado taxonômico, fazendo o aluno engolir, a palo seco, adjuntos, objetos, predicativos e outros despautérios sem sentido.
Quem diz "Pega os peixe" parece ser merecedor da fogueira santa da inquisição gramatical. Porém, se observarmos com o mínimo cuidado, mesmo aqueles que têm acesso à educação escolar, e, por tabela, conhecem a norma culta, em uma conversação despojada, cotidiana e afetiva, tendem a pedir licença à concordância e à regência, trazendo para o discurso tudo que é necessário para dar leveza à linguagem. É assim que somos, e é assim que a língua funciona, como um camaleão pronto para trazer para si as cores que o tornarão devidamente adaptado ao ambiente.
Por fim, alvíssaras a quem acredita que, num futuro não muito distante, espero, o ensino da Língua Portuguesa passará por uma efetiva reformulação, sem deixar de lado o padrão formal, imprescindível em inúmeras situações, mas prestigiando também as infindáveis "línguas" que nos rodeiam, permitindo, assim, o acesso democrático e plural ao que realmente podemos chamar de linguagem, abrindo mão de (pre)conceitos obsoletos para que, com propriedade, possamos descobrir as possibilidades que esta tão nossa língua nos oferece.
Esse texto me fez pensar na qualificação dos profissionais que ainda virão e na reformulação dos planejamentos internos das escolas (sejam públicas ou particulares)que percebemos a grande limitação existente, para isso, no dia em que você se tornar um desses "formadores", dessa vez na universidade, seja o curso que for... eu retorno com o maior prazer como sua aluna, questionadora ou "mesmo que nada"... rsrsrs, mas já está na hora do Sinsvals na UFC, UECE... acho que está perto disso acontecer, no mais, SAU-DA-DE de você.
ResponderExcluirÉ uma pena que as pessoas critiquem algo em que elas têm conhecimento precário. Que não tenham senso crítico para escapar das manipulações da mídia e seus holofotes medíocres. O oráculo das salas de estar joga um crítico na tela pra contrariar as decisões do MEC, e pronto, todos acreditam que o livro tem por objetivo ensinar a falar errado. Se querem julgar, primeiro leiam o livro. O real objetivo não é ensinar a falar errado, mas sim atenuar o preconceito pela variação linguística...ou por acaso a linguagem rebuscada que um advogado utiliza é a única forma de falar corretamente? Está mais do que claro que a Língua Portuguesa está sendo usada como arma de domínio e segregação, e todos estão cegos para isso. No livro, fica bem claro que é importante o aluno ter domínio sobre a norma culta e a linguagem coloquial, mas deve saber usar as duas variantes de acordo com a situação. Essa semana, já escutei comentários de professores dizendo que a adoção do livro é um retrocesso para o país. Retrocesso, ao meu ver, é esse preconceito sócio-linguístico.
ResponderExcluirAbraços.