Foi uma vez um reino governado por uma criança que, de tão inocente, queria ser dona de todas as coisas e pessoas do mundo.
Borboletas que não pousassem em seu ombro, em sinal de reverência, seriam imediatamente esmagadas. Passarinhos que não cantassem a canção predileta do rei-menino ao menos uma vez por dia seriam degolados em praça pública. O sol, por sorte, nunca desacatou a ordem real, nascendo sempre do lado que o rei ordenara, senão estaria proibido de aparecer.
Até que o pequeno rei, sentindo a beleza de seu reino ameaçada por sabe-se lá o quê, baixou o decreto e proibiu que a feiura e o mau gosto habitassem seus domínios.
O povo não sabia o que fazer, pois o rei é que decidiria o que seria considerado belo ou não.
E assim sucedeu, e passou a existir apenas a beleza aos olhos do rei.
Eis que surgiu de algures um menino de vivo olhar, descrente da autoridade do rei, e solicitou uma audiência com a infante majestade.
Iniciou-se um curioso embate:
- Majestade, por sua incessante sabedoria, pergunto: O que é a beleza?
O rei esticou-se no trono, procurou a resposta no teto do palácio e devolveu:
- Beleza é o que encanta, o que fascina, o que é de fino traço... tudo que é branquinho e corado, robusto e vistoso...o que se põe com viço e cor... o que é novinho em folha...isso é a beleza!
- Mas pode haver discordâncias nisso, Majestade?
- Não vejo como! Ademais, o que é belo é belo! E há de ser para qualquer um!
O menino, conhecedor das histórias e das personagens, pediu para que um bedel trouxesse uma poltrona antiga, rota, cheirando a lixo.
- Há beleza nessa poltrona velha e encardida, Majestade?
- Claro que não! Não vê que é apenas lixo? Tire isso agora da minha presença, que já está me ferindo as retinas!
- Pois devo dizer que achei essa poltrona no lixo. Fiquei curioso, porque há nela o símbolo da família real.
- Minha família?! - pasmou-se o rei.
- Isso mesmo. Descobri, depois de algumas pesquisas, que essa poltrona, rota e encardida, pertenceu a sua mãe, a rainha, que Deus a tenha em bom lugar!
- Minha mãe? Eu amava minha mãe... que saudade!
- Eu sei. Todo o reino sabe disso. E era justamente nessa poltrona que sua mãe cantava para que Vossa Majestade adormecesse com os anjos. Era nessa poltrona suja...
- Não diga que é suja, por favor...
- Era nessa poltrona que a rainha, mãe devotada, dava-lhe de mamar, enquanto lhe contava histórias de trancoso.
- Ainda me lembro das histórias...e da voz suave e melodiosa de mamãe...
- Então, majestoso, que me diz da poltrona? Devolvo-a ao lixo.
- Nunca! É a poltrona mais preciosa que existe! Em todo o reino, não há beleza igual!
E assim o rei compreendeu que existem várias maneiras de se medir o valor das coisas. Nem sempre o que é belo para um pode ser para outro. É preciso conhecer para reconhecer, pois a primeira impressão normalmente é a que cega.